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Fronteiras fechadas fazem Europa sentir falta de imigrantes nas colheitas

Estudantes ajudam na colheita de aspargos em Lohmar, Alemanha, durante pandemia de coronavírus - STEPHANE NITSCHKE
Estudantes ajudam na colheita de aspargos em Lohmar, Alemanha, durante pandemia de coronavírus
Imagem: STEPHANE NITSCHKE

Colunista do UOL

20/04/2020 04h01

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O sonho de alguns dos principais líderes da extrema-direita e de grupos xenófobos foi atingido. A Europa fechou suas fronteiras em meio à pandemia do novo coronavírus. Mas apenas para que os países se dessem conta que, para ter acesso aos morangos frescos, azeite de oliva, aspargo ou tantos outros produtos, dependem do trabalho de milhares de imigrantes na colheita desses alimentos.

Ao longo do mês de março, dezenas de postos de fronteira entre os países da UE (União Europeia) foram fechados, e o bloco, como um todo, suspendeu voos para praticamente todas as grandes capitais do mundo.

O objetivo era parar a proliferação do vírus. Mas, como efeito colateral, o que se descobriu é que parcelas importantes das safras de 2020 podem ser perdidas. A cada ano, a Europa necessita de 800 mil a um milhão de trabalhadores temporários no campo, muitos deles estrangeiros.

Morangos espanhóis

Apenas na região de Huelva, na Espanha, a colheita dos morangos, que deveria ocorrer nesta temporada. depende em parte de imigrantes marroquinos. No total, um acordo entre os dois países permitia que 16 mil pessoas cruzassem a fronteira para trabalhar no campo. Mas com o fechamento, a realidade é que menos da metade dos trabalhadores conseguiu chegar às fazendas.

Para a entidade que representa o setor, a Interfresa, as fazendas de morango da Espanha podem ficar sem 25 mil trabalhadores. A região é a principal fornecedora de todo o morango para os supermercados europeus.

23.jun.2014 - Trabalhadores empilham pedaços de cortiça em caminhão depois de colheita em troncos na floresta de Cortes de la Frontera, perto de Málaga, na Espanha, nesta segunda-feira (23) - Jon Nazca/Reuters - Jon Nazca/Reuters
Trabalhadores empilham pedaços de cortiça em caminhão depois de colheita perto de Málaga, na Espanha
Imagem: Jon Nazca/Reuters

Uma situação muito parecida ocorre na Suíça. Na região de Winterthur, são eslovacos, romenos e poloneses que garantem a colheita. Mas apenas uma fração dos trabalhadores conseguiu se apresentar.

Uma das alternativas tem sido a negociação de donos de fazendas e autoridades para permitir que refugiados possam ser autorizados a trabalhar no campo.

Aviões fretados para buscar estrangeiros

Na França, algumas instituições falam de uma lacuna de 200 mil trabalhadores no campo por conta do fechamento das fronteiras e das restrições de movimentos. As entidades patronais que representam o setor fizeram um apelo para que desempregados e estudantes se alistassem para preencher as vagas deixadas pelos estrangeiros.

Na Alemanha, o governo negocia voos fretados da Lufthansa para trazer os imigrantes. O país estima precisar de 80 mil estrangeiros para garantir a safra. Um acordo foi fechado para permitir que 40 mil estrangeiros entrem no país em abril e outros 40 mil em maio.

Além disso, as autoridades criaram um website para colocar em contato voluntários e fazendeiros que estejam em busca de mão de obra.

A organização de pontes-aéreas já começa a ocorrer. Na Romênia, pelo menos 13 voos fretados foram realizados para cidades como Karlsruhe e Dusseldorf. Para a temporada de primavera na Europa, cerca de 90 mil romenos se deslocam a cada ano para os campos do restante do continente para trabalhar na colheita.

05.out.2013 - Agricultores franceses colhem uvas na região de Bordeaux. O país pode ter uma das piores colheitas dos últimos anos devido a problemas climáticos - Jean-Pierre Muller/AFP - Jean-Pierre Muller/AFP
Agricultores franceses colhem uvas na região de Bordeaux
Imagem: Jean-Pierre Muller/AFP

Um esquema parecido de voos fretados será realizado entre a Romênia e a Itália, com 15 ml trabalhadores sendo transportados para a colheita de frutas e legumes na região do Vêneto.

Ministra italiana propõe legalizar todos os imigrantes

Em Roma, o debate ganhou contornos políticos. A ministra da Agricultura, Teresa Bellanova, publicou um editorial propondo que todos os 600 mil imigrantes irregulares no país fossem legalizados para ajudar a reconstruir a economia, que deve ter uma queda de 9% em 2020. Uma parte significativa deles iria para o campo.

A cada ano, a Itália depende de 400 mil estrangeiros para garantir sua colheita. Mas, diante do fechamento das fronteiras, poderá haver um déficit de 250 mil trabalhadores.

"Hoje temos de responder a duas emergências: Prevenir as catástrofes humanitárias que podem ocorrer em acampamentos informais (onde os migrantes estão) à mercê da ameaça dos vírus, e enfrentar o problema urgente da ausência de mão de obra que atinge as nossas fazendas, pondo em risco o trabalho, os investimentos e a alimentação", escreveu a ministra no jornal Il Foglio.

"Não podemos deixar que os produtos apodreçam nos campos enquanto cada vez mais pessoas no país têm fome", acrescentou.

Não demorou para que a extrema-direita reagisse, alertando que o gesto poderia incentivar milhares de pessoas a tentar cruzar o mar Mediterrâneo em direção ao sul do país.

O deputado Alessandro Morelli, da Liga, afirma que a esquerda estaria tentando "explorar a emergência sanitária para levar a cabo uma anistia".

"Para a esquerda, qualquer desculpa é suficientemente boa para ajudar a imigração ilegal", insistiu a também deputada Giorgia Meloni.

No Reino Unido, um terço da produção agrícola pode ser perdida pela falta de trabalhadores, enquanto o setor lançou um apelo à sociedade para ajudar no campo. Os britânicos estão sem uma parte substancial dos 80 mil imigrantes que precisavam para a colheita. Por enquanto, porém, a operação para convencer desempregados e estudantes a irem ao campo conseguiu atrair apenas 18 mil pessoas.

Preços começam a subir

Para sindicatos de produtores, uma eventual alternativa será a de buscar entre os milhões de desempregados na região a mão de obra que possa substituir aos estrangeiros. Mas, mesmo nas instituições europeias, muitos duvidam que essa ofensiva tenha resultados.

No final de março, numa carta enviada à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a confederação da indústria alimentar do bloco, Food Drink Europe, deixou claro que existe o "grave risco de escassez de mão de obra".

Um relatório publicado pelo Serviço de Investigação do Parlamento Europeu advertiu ainda que o impacto dessa falta de trabalhadores já começa a ser uma realidade, com preços de alimentos frescos nos supermercados em alta.