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Jamil Chade

Proposta assinada pelo Brasil defende que OMS passe por investigação

Presidente da China, Xi Jinping, e diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, em Pequim - POOL
Presidente da China, Xi Jinping, e diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, em Pequim Imagem: POOL

Colunista do UOL

18/05/2020 04h00

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Resumo da notícia

  • OMS anuncia que irá iniciar revisão de seu trabalho. Mas não indica data
  • ONU alerta que mundo deve, primeiro, se concentrar em lidar com pandemia

Nesta segunda-feira, o governo do Brasil e de outros 60 países do mundo vão colocar à votação uma resolução que pedirá a abertura de uma investigação "imparcial e independente" da resposta dada pela OMS à pandemia.

A agência de Saúde realiza sua assembleia anual, com a participação de chefes-de-estado e ministros de todos os 194 países. O evento, virtual, deve ser marcado por duras críticas contra a OMS e ataques mútuos entre governos.

Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, usou seu primeiro discurso na assembleia nesta manhã para anunciar que vai iniciar uma revisão dos trabalhos da agência. Mas não indicou quando. "Estamos dispostos a ser transparentes", disse.

"Assim que possível, vamos começar uma avaliação independente e fazer recomendações para melhorar respostas nacionais e internacionais", anunciou Tedros, na esperança de frear críticas.

Mas ele alertou que também vai pedir que governos façam seus exames internos e que, em boa-fé, aprendam a lição do que o mundo atravessa hoje. "Todos temos de aprender lições, disse. "Cada governo precisa examinar suas respostas", disse.

Sua proposta é de que, ao lado da OMS, governos também sejam examinados de forma regular e pede que países façam o necessário para superar crise para que ela jamais volte a ocorrer.

Para Tedros, o mundo precisa de uma OMS mais forte. "A pandemia está nos perguntando: que mundo queremos? e que OMS queremos?". "O mundo não precisa de outra organização, mas fortalecer a OMS", disse.

O diretor voltou a defender o fato de ter lançado alertas logo cedo na crise. "E repetimos os alertas", disse.

Em sua abertura, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, admitiu a necessidade de uma revisão da entidade. Mas insistiu que esse não é o momento certo e que a prioridade deve ser a de vencer o vírus. Ele, porém, alertou contra ataques contra a entidade e uma eventual decisão de se desfazer da agência. "A OMS é insubstituível", disse.

Trump parte para o ataque

Num ataque duro contra a OMS, o secretário de Saúde dos EUA, Alex Azar, usou o evento para alertar que a OMS precisa mudar "agora mesmo". Sua declaração foi recebida como um alerta de que não irá esperar até o final da pandemia para exigir uma reforma da entidade. "A OMS precisa mudar, ser mais transparente", disse.

"Precisamos ser francos: houve um fracasso da entidade em ter informação e isso custou muitas vidas", disse o secretário, numa referência à demora da China em alertar a OMS sobre a existência do vírus.

Na OMS, porém, as autoridades apontam que o alerta foi feito ao mundo no final de janeiro e que, por semanas, muitos governos ignoraram as recomendações. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, indicou que a recusa de alguns governos em ouvir a OMS está causando ao mundo fortes prejuízos.

China apoia, mas só depois de acabar a pandemia

Xi Jinping, presidente da China, tomou a palavra, se defendeu das críticas internacionais de que teria abafado os casos e indicou que reconhece a necessidade de uma investigação. Mas alertou que tal trabalho deve ser realizado num segundo momento. Seu governo, acusado de ter abafado os primeiros casos, vinha evitando permitir a entrada de uma equipe internacional para investigar a origem do vírus.

Nesta segunda-feira, Xi admitiu que a OMS precisa passar por uma revisão e garantiu que tem sido transparente. Numa tentativa de se descolar dos ataques de Donald Trump contra a agência, o chinês reforçou sua aposta no multilateralismo e anunciou que vai destinar US$ 2 bilhões para ajudar o mundo a lidar com a pandemia.

Ele também deu seu apoio à OMS, elogiou o trabalho de Tedros e insistiu que o mundo precisa atuar de forma conjunta.

Emmanuel Macron, presidente da França, defendeu uma "OMS forte". A chanceler alemã, Angela Merkel, também saiu em defesa da OMS, chamada pela chefe-de-governo como uma "entidade legítima". Para ela, o mundo precisa primeiro combater a pandemia, antes de pensar em outras medidas.

Numa resolução que estará sobre a mesa, os governos vão pedir que seja iniciado um processo de avaliação dos mecanismos existentes na OMS para dar respostas às emergências globais.

A resolução ainda pede que o processo avalie também o regulamento sanitário internacional, acordo fechado em 2009 e que cria obrigações a países para que informem a OMS sobre eventuais surtos.

Também será colocado em questão "a contribuição da OMS nos esforços da ONU", uma maneira diplomática de forçar uma revisão das práticas da entidade.

O texto está sendo proposto pelo Brasil, Austrália, Chile, Colômbia, Japão, UE, Rússia, Reino Unido e vários outros governos. Não está claro se Pequim e Washington aceitarão o acordo.

Para os americanos, o texto é ainda considerado progressista demais no que se refere ao papel central atribuído para a OMS em questões de saúde.

Negociado por três semanas em intensas reuniões, o texto teve de ser construído de uma forma ampla para deixar espaço a todas as opções. Governos como o da Austrália querem uma avaliação imediata do papel da OMS e da China, enquanto a Europa estima que tal avaliação apenas pode ser feita com a pandemia superada.

Tedros, ainda assim, será alvo de intenso questionamento em sua reunião de hoje. O governo de Donald Trump decidiu focar seus ataques contra a OMS, na esperança de encontrar um culpado pela crise. Tedros, de seu lado, alerta que a declaração de emergência mundial ocorreu no dia 30 de janeiro e que, apenas semanas depois, é que os EUA reagiram.

Novo Ministro

Até sexta-feira, seria Nelson Teich quem acompanharia os debates na OMS e faria o discurso em nome do governo de Jair Bolsonaro.

Mas com sua saída do Ministério da Saúde, abriu-se uma incerteza sobre quem representaria o Brasil. A OMS chegou a buscar esclarecimentos sobre quem falaria em nome do país, inclusive para estabelecer sua lista com base no protocolo diplomático.

Neste domingo, Brasília indicou que o discurso do país na OMS deve ser realizado por Eduardo Pazuello, militar que ocupa de forma interina o cargo vago de Teich. O general, que afirmou ser "leigo" em questões médicas, tem coordenado a operação de compras de equipamentos e máscaras.

Em Genebra, chamou a atenção o fato de o Brasil indicar a participação de um militar, principalmente diante do número elevado de especialistas reconhecidos e nomes de alto gabarito do país na Saúde. A regra, porém, estipula que um país deve ser representado no evento pelo chefe-de-governo ou por um ministro.