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Jamil Chade

Bolsonaro age como imperador ao intervir na PF, denuncia viúva de Marielle

Monica Tereza Azeredo Benicio, viúva da vereadora Marielle Franco - AF Rodrigues/Claudia
Monica Tereza Azeredo Benicio, viúva da vereadora Marielle Franco Imagem: AF Rodrigues/Claudia

Colunista do UOL

23/05/2020 04h00

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Jair Bolsonaro age como um "imperador" e sua tentativa de intervenção no caso de Marielle Franco levanta uma questão: ele seria apenas um irresponsável ou tem algum tipo de envolvimento? O alerta é da ativista Mônica Benício, viúva da ex-vereadora do Rio de Janeiro. Executada há 800 dias, Marielle continua com seu caso sem resposta. No dia 27, porém, o STJ avaliará e votará a federalização do processo.

Nesta semana, Mônica e os demais familiares da ex-vereadora e Anderson Gomes, em parceria com o Instituto Marielle Franco e a Coalizão Negra por Direitos lançaram uma campanha www.federalizacaonao.org contra esse transferência de competência, temendo que o caso caia nas mãos da Polícia Federal. Em entrevista à coluna, ela explicou o que tal gesto representaria diante das revelações das declarações de Bolsonaro sobre sua intervenção na PF.

Eis os principais trechos da entrevista:

Por qual motivo você acredita que o processo não deva ser federalizado?

Considerando as últimas falas do presidente que colocou publicamente que intervir na Polícia Federal, que pediu interferência no caso da Marielle, que mandou a PF interrogar o suspeito de ser atirador e que tem copia do inquérito, a maior preocupação é que a PF, que Bolsonaro quer intervir, controlar, comande o caso da Marielle.

Ele sempre desrespeitou a memória dela e as bandeiras dela. Temos, portanto, muito medo de que o caso vá para as mãos da PF e que seja conduzido para um final que não tenha compromisso com as verdades do fato. Ou que seja arquivado ou postergado. Já estamos há 800 dias sem saber quem são os mandantes e as motivações.

Para a família e defesa, o que representa o posicionamento do presidente? Vocês avaliam como um interesse do presidente ou um envolvimento em relação ao caso?

Quem precisa esclarecer é a investigação. Mas, emocionalmente para a família, é muito ruim. Não é uma especulação. Ele declarou isso, que fez uma intervenção, que pediu para a PF fazer uma intervenção no caso. Independente de qual motivo seja, ele não poderia ter feito isso. Demonstra abuso de poder e despeito com as investigações. Isso é muito violento. Como família, estamos mergulhados nisso há 26 meses. São mais de dois anos buscando justiça.

O presidente não tem nenhum compromisso com o cuidado com a democracia. O caso da Marielle foi um caso que a abalou a democracia brasileira. O presidente só fala com desrespeito e nas ultimas declarações demonstrou que não tinha compromisso com o cuidado das investigações. Muito pelo contrário: pedindo que a PF fizesse atropelos, de acordo com suas preocupações.

Em muitos episódios já tivemos o nome da família Bolsonaro sendo mencionado nas investigações por alguns motivos. Seja pelo filho 04 ter podido namorar a filha do Roni Lessa, que é o acusado de ser o atirador, seja pelo porteiro. São muitos os fatores que mencionaram o nome da família. Se tem responsabilidade ou não, se tem envolvimento ou não, são as investigações que devem mostrar. Mas é inaceitável que o presidente se comporte como um imperador. E é o que ele tem feito.

Eu não sei se ele quer intervir só por ser um irresponsável ou se tem algum tipo de envolvimento.

Uma ala insiste que não se deve tratar do caso de Marielle como uma atenção especial, afinal milhares de pessoas no Brasil morrem a cada ano, vítima da violência. Como você responde a esse argumento?

Já falei isso na ONU e respondendo até mesmo à ministra Damares Alves. Primeiro, é lamentável que tenhamos uma ministra que chegue até a ONU e diga que, sim, temos muitos assassinatos. 70% ficam sem respostas hoje. O caso da Marielle é especial não por ela ser especial. Para mim, Mônica, até era. Mas a questão não é essa. Marielle era uma pessoa democraticamente eleito. Estamos falando de uma representante pública que foi executada.

Não houve sequer uma tentativa de camuflar como sendo um assalto. Ela foi executada. Transmite um recado político. Hoje, temos pessoas no Brasil que são capazes de fazer política assassinando. E essas pessoas ainda não responderam pelo que fizeram. Enquanto essa resposta não chegar, a imagem que o Brasil passa ao mundo e à sua sociedade é que isso pode ocorrer de novo. E que é uma maneira legítima de fazer política. Afinal de contas, a pessoa que fez isso continua impune.

Ela representava as mulheres, a população LGBT, os negros. Eram muitas as pautas de direitos humanos que estavam incarnadas em seu corpo. Ao ser executada, o recado é de dizer que tudo isso que ela representa o Brasil não aceita que ela esteja ocupando o espaço de poder, político e institucional. É por isso que o caso dela é tão emblemático. Não é por ser Marielle Franco. Mas pelo que representa na sociedade.

Se não for federalizado, vocês estão satisfeitos com o processo conduzido?

Satisfeito é uma palavra muito forte. Vamos chegar a 800 dias sem saber os mandantes. Mas a realidade é que existe uma investigação e duas pessoas estão presas. O Ministério Público - ainda que não faça mais que sua obrigação - dá satisfação para a família. O que eu não consigo visualizar caso o processo seja federalizado. Não consigo ver como seria possível manter o diálogo. Neste atual governo, eu não consigo imaginar que exista um diálogo democrático, sincero e que inspire alguma confiança. Por isso, lançamos a campanha para o STJ não federalizar, principalmente por conta de a PF viver uma crise neste momento.

Não dá para ter um caso que abalou a democracia entregue à PF em plena crise. Sem considerar que já temos 800 dias. Quanto tempo mais teremos de esperar caso o processo seja deslocado? Um inquérito está difícil de caber numa sala.

Federalizar então seria prorrogar a impunidade?

Mais do que isso. Seria abrir caminho para a impunidade. Pela crise que a democracia atravessa neste momento, é um risco.