ONU implica Maduro em crimes contra a humanidade
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Resumo da notícia
- Missão submeteu investigação de 500 páginas sobre crimes cometidos na Venezuela
- Peritos sugerem que Tribunal Penal Internacional tome ação legal contra responsáveis
- Para investigadores, cúpula do governo teve papel nos crimes
Uma investigação independente criada pela ONU revela que crimes contra a humanidade foram cometidos na Venezuela e que o presidente Nicolas Maduro e outros membros do alto escalão do governo estavam cientes das violações e deram apoio e ordens aos grupos que levaram adiante tais atos. O inquérito sugere que o Tribunal Penal Internacional considere ações legais contra os responsáveis.
De acordo com o inquérito, Maduro e outros líderes sabiam, coordenaram ou contribuíram nos atos criminosos. Desde 2014, 3,4 mil opositores políticos teriam sido presos e a repressão era "uma política de estado". Segundo o inquérito, Maduro chegava a saltar a cadeia de comando dos militares para dar ordens diretas em certos casos.
As revelações de crimes contra a humanidade ocorrem às vésperas de uma visita de Mike Pompeo, secretário de Estado norte-americano, às fronteiras da Venezuela e em visita ao Brasil. A viagem é interpretada na região como um sinal de pressão do governo americano sobre o regime de Maduro, dias antes da Assembleia Geral da ONU.
"O governo, os agentes do Estado e os grupos que trabalham com eles cometeram graves violações dos direitos humanos de homens e mulheres na Venezuela", revela a investigação de quase 500 páginas. Segundo o documento, os padrões de ataques estavam "altamente coordenados com as políticas do Estado e eram parte de um curso de conduta difundido e sistemático, constituindo assim crimes contra a humanidade".
A responsabilização da cúpula do governo é citada. "A missão constatou que autoridades estatais de alto nível detinham e exerciam poder com a supervisão das forças de segurança e agências de inteligência identificadas no relatório como responsáveis por essas violações. O Presidente Maduro e os Ministros do Interior e da Defesa estavam cientes dos crimes e deram ordens, coordenaram atividades e forneceram recursos em apoio aos planos e políticas sob os quais os crimes foram cometidos", denunciam.
"Os assassinatos parecem fazer parte de uma política de eliminação de membros indesejados da sociedade sob o disfarce de combate ao crime", disse Marta Valiñas, chefe da missão. O grupo ainda contou com Francisco Cox Vial e Paul Seils. Seu mandato foi estabelecido em 2019 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar a situação na Venezuela desde 2014.
De acordo com os membros da equipe, as violações investigadas ocorreram "em meio a uma quebra gradual das instituições democráticas e do Estado de Direito, incluindo uma erosão da independência do Judiciário, na Venezuela". "O Judiciário venezuelano não serviu como um controle sobre outros atores do Estado. É necessário investigar melhor até que ponto a influência política indevida prejudicou a independência do Judiciário", sugere.
"As violações devem cessar. E a impunidade deve acabar. As autoridades venezuelanas devem realizar imediatamente investigações rápidas, eficazes, completas, independentes, imparciais e transparentes sobre as violações e crimes, responsabilizando os infratores e proporcionando justiça às vítimas. As vítimas devem ter plena reparação pelos danos que sofreram", disse Marta Valiñas.
Para ela, as revelações deveriam servir para que cortes internacionais considerem abrir uma investigação. "Outras jurisdições, de acordo com suas leis nacionais, bem como o Tribunal Penal Internacional, também devem considerar ações legais contra indivíduos responsáveis por violações e crimes identificados pela missão", recomenda.
A equipe de investigadores jamais foi autorizada a entrar no país. Mas, ainda assim, conduziu 274 entrevistas com vitimas, testemunhas, sociedade civil e ex-agentes do estado, além de ter acesso a documentos confidenciais.
Crime contra Humanidade
Para a missão criada pela ONU, os responsáveis pelas execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e torturas precisam ser levados aos tribunais.
A missão investigou 223 casos de abusos. 48 deles estão incluídos no documento de 443 páginas apresentadas em Genebra. Além disso, a missão examinou outros 2.891 casos para corroborar os padrões de violações e crimes.
"A Missão encontrou motivos razoáveis para acreditar que as autoridades e as forças de segurança venezuelanas têm planejado e executado graves violações dos direitos humanos desde 2014, algumas das quais - incluindo execuções arbitrárias e o uso sistemático da tortura - constituem crimes contra a humanidade", disse Marta Valiñas, presidente da missão.
"Longe de serem atos isolados, esses crimes foram coordenados e cometidos de acordo com as políticas estatais, com o conhecimento ou apoio direto de comandantes e altos funcionários do governo.
Execuções extrajudiciais
Mesmo estimativas conservadoras sugerem que a Venezuela tem um dos mais altos índices de assassinatos cometidos por agentes estatais na América Latina.
A missão investigou 16 casos de operações policiais, militares, ou conjuntas que resultaram em 53 execuções extrajudiciais. Também examinou 2.552 incidentes adicionais envolvendo 5.094 mortes pelas forças de segurança, embora nem todos tenham sido necessariamente arbitrários.
Entre 2015 e 2017, as Operações de Liberação Popular (PLO), supostamente estabelecidas para combater o crime, resultaram em prisões arbitrárias e execuções extrajudiciais. A missão investigou ou revisou 140 operações, que resultaram na morte de 413 pessoas.
De acordo com os documentos, altos funcionários do governo elogiaram repetidamente as operações, que muitas vezes envolveram centenas de oficiais armados invadindo algumas áreas, às vezes utilizando veículos blindados e helicópteros. Em setembro de 2015, uma OLP na área de Santa Rosa de Agua, em Maracaibo, Estado de Zulia, deixou cinco homens mortos e mais de 60 detidos, a maioria dos quais pescadores retornando do trabalho. Mulheres foram maltratadas e objetos domésticos foram saqueados.
Duas forças de segurança - o CICPC e as Forças de Ação Especial (FAES) da Polícia Nacional Bolivariana (PNB) - foram responsáveis por 59% de todas as mortes perpetradas pelas forças de segurança no período analisado e foram também os perpetradores das execuções extrajudiciais documentadas no relatório.
"Os funcionários do PNB/FAES disseram à Missão que era uma prática comum encobrir as mortes plantando armas para simular "confrontos", um processo a que os funcionários do PNB/FAES se referem como semear "sementes"", diz o informe.
"Uma fonte com conhecimento interno confirmou que os superiores poderiam dar aos oficiais a "luz verde para matar". Um vídeo de treinamento FAES, autenticado pela Missão, mostra oficiais sendo encorajados a "matar criminosos sem piedade", constata.
Os relatos revelam uma violência sem limite por parte dos agentes de estado. Uma operação no estado de Miranda, em meados de outubro de 2016, terminou em um massacre após soldados terem detido arbitrariamente 35 homens, alguns dos quais desapareceram e foram torturados.
"Doze vítimas, todos homens com 30 anos ou menos, foram executados extrajudicialmente e enterrados em valas comuns - dois tinham balas perfurando seus crânios e 10 tinham provavelmente ferimentos de facão no peito, pescoço e cabeça", apontou.
Impunidade e comando
Para a missão da ONU, uma das maiores preocupações se refere à falta de qualquer resposta à crise. "A grande maioria das mortes ilegais cometidas pelas forças de segurança não resultou em processos judiciais e em nenhum momento os funcionários com responsabilidade de comando foram levados à justiça", diz a missão.
"Essas mortes extrajudiciais não podem ser atribuídas à falta de disciplina por parte das forças de segurança. Os oficiais superiores tinham comando e controle efetivo sobre os perpetradores e conhecimento de suas ações, mas não conseguiram prevenir ou reprimir violações", disse Marta Valiñas.
Para a missão, as FAES devem ser desmanteladas e os responsáveis por todas as forças de segurança e suas cadeias de comando devem ser responsabilizados.
Presos políticos
A Missão também investigou a repressão seletiva das agências de inteligência do Estado. De acordo com a investigação, o Serviço Nacional de Inteligência Bolivariana (SEBIN) teve como alvo dissidentes políticos e ativistas de direitos humanos, bem como outros homens e mulheres que foram considerados anti-governamentais, enquanto a Direção Geral de Contra-Inteligência Militar (DGCIM) teve como alvo o pessoal militar e civis associados supostamente envolvidos em rebeliões ou tentativas de golpes.
"Homens e mulheres detidos eram frequentemente mantidos em más condições fora do sistema prisional oficial, na sede das agências em Caracas, ou em "casas seguras" não-oficiais. Em alguns casos, as vítimas eram acusadas de crimes falsos, as provas eram plantadas e o devido processo era desrespeitado", denuncia.
"As detenções, em alguns casos, foram desaparecimentos forçados a curto prazo e incluíram tortura, tratamento cruel, desumano e degradante, incluindo atos de violência sexual, seja para extrair confissões ou como punição. Um ex-diretor do SEBIN disse à Missão que a instituição se engajava no "comportamento cultural" da tortura", diz o documento.
As técnicas de tortura incluíam espancamentos, choques elétricos, cortes e mutilações, ameaças de morte e tortura psicológica. "As agências de inteligência também submeteram dissidentes - tanto homens quanto mulheres - à violência sexual, incluindo estupro com partes do corpo ou objetos e ameaças de estupro do detido ou seus entes queridos, nudez forçada, assim como espancamentos e choques elétricos nos órgãos genitais", constata.
Nomes de responsáveis
O documento ainda revela como opositores morreram sob a custódia do estado. Um deles foi o ex-capitão da Marinha, Rafael Acosta Arévalo, que não sobreviveu a torturas. "Estas detenções arbitrárias, desaparecimentos a curto prazo e tortura foram dirigidas contra a população civil como parte de uma política para silenciar a oposição ao Governo de Maduro", disse Francisco Cox, um dos membros da missão de inquérito.
"Os oficiais de comando tinham pleno conhecimento deste padrão de crimes, que muitas vezes ocorriam nos próprios prédios onde trabalhavam", diz.
A missão registrou os nomes de mais de 45 oficiais do estado diretamente responsáveis, que deveriam ser investigados e processados.
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