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Jamil Chade

Enquanto Brasil bate cabeça, mundo se prepara para maior vacinação já vista

Laboratório do Instituto Butantan, em São Paulo. Vacina de origem chinesa, em fase de testes no estado, foi mais uma vez rechaçada por Bolsonaro, que contradisse seu próprio ministro da saúde - Divulgação/Governo do Estado de São Paulo
Laboratório do Instituto Butantan, em São Paulo. Vacina de origem chinesa, em fase de testes no estado, foi mais uma vez rechaçada por Bolsonaro, que contradisse seu próprio ministro da saúde Imagem: Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

Colunista do UOL

22/10/2020 04h00Atualizada em 22/10/2020 18h09

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Resumo da notícia

  • Nos bastidores, governos e entidades se preparam para "operação de guerra" para conseguir distribuir vacinas em todo o mundo
  • Armazenagem e obstáculos para transporte podem excluir 3 bilhões de pessoas de vacinação
  • 1 bilhão de seringas e 15 mil voos serão necessários para atingir metas de imunização

Uma vacina não salva vidas. O que salva é a vacinação. É com essa ideia que entidades internacionais, empresas multinacionais e governos estrangeiros começam a preparar o que deve ser, em 2021, o maior projeto de imunização da história.

Enquanto no Brasil governos batem cabeça e politizam a origem das vacinas, se vêm da Inglaterra ou China, responsáveis por uma campanha inédita de vacinação no mundo revelam que descobrir a fórmula da imunização será apenas uma parte do esforço. Sua distribuição, venda, armazenamento e aplicação ameaçam deixar bilhões de pessoas sem o produto.

Para tentar superar isso, uma operação de guerra já começou longe dos holofotes.

Num armazém na Dinamarca, por exemplo, funcionários da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) não estão esperando uma definição sobre qual será a vacina contra a covid-19 que chegará primeiro no mercado. Nem sua nacionalidade importa. A instituição — a maior compradora mundial de doses de vacina — já começou a estocar insumos para permitir que, no momento que o novo produto seja aprovado, uma verdadeira mobilização seja iniciada para permitir que a imunização chegue aos quatro cantos do mundo.

Só a Unicef já embalou e deixou prontas para o envio mais de 500 milhões de seringas. A previsão, porém, é de que o mundo precisará em 2021 de cerca de 1 bilhão de seringas apenas para permitir que as primeiras metas de imunização sejam atingidas.

"Vacinar o mundo contra a covid-19 será um dos maiores empreendimentos de massa da história da humanidade, e precisaremos nos mover tão rapidamente quanto as vacinas possam ser produzidas", disse a diretora executiva da Unicef, Henrietta Fore.

"No final do ano, já teremos mais de meio bilhão de seringas pré-posicionadas onde elas poderão ser enviadas de forma rápida e econômica", disse.

Demanda por refrigeração pode excluir alcance a bilhões de pessoas

Mas os obstáculos vão muito além de descobrir a vacina ou estocar seringas. Hoje, das cerca de 40 candidatas sendo testadas, muitas vão exigir armazenamento em locais em freezers com baixas temperaturas, um desafio para muitas cidades pelo mundo.

Na OMS (Organização Mundial da Saúde), a estimativa é de que uma provável vacina tenha de ser mantida entre 2 e 8 graus Celsius. Tal exigência poderia excluir 3 bilhões de pessoas de ter acesso ao produto.

A Pfizer, por exemplo, criou uma caixa própria para suas vacinas, capaz de mantê-las sob baixas temperaturas por cerca de dez dias. Cada uma das caixas ainda será equipada com um chip para monitorar seu destino.

Já a empresa de logística DHL ainda aponta que 15 mil voos poderiam ser necessários para que a vacina chegue a todas as partes do mundo, criando um gargalo dos mais significativos para a distribuição do produto.

União Europeia não discute vacina, mas como fará a vacinação

Enquanto isso, na OMS, uma equipe começa a trabalhar para estabelecer canais de distribuição e para ajudar governos a implementar um processo inédito. Na semana passada, depois de uma reunião de um grupo de especialistas, ficou estabelecido que profissionais de saúde, idosos e pessoas com certas doenças receberiam a vacina de forma prioritária.

Isso significaria cerca de 20% da população mundial. O restante poderia ter de esperar até 2022.

Nos bastidores dos governos, a ordem é a de montar planos de vacinação. Na União Europeia, por exemplo, Bruxelas enviou uma lista de "deveres" que governos terão de implementar para garantir que seus serviços de saúde estejam preparados para a operação, além de designar as populações que irão receber a vacina de forma prioritária.

Se na Europa a operação já começou, a OMS teme que não haja dinheiro suficiente para que a distribuição da vacina seja justa pelo mundo. A entidade estima que precisa de US$ 38 bilhões. Mas conta com apenas US$ 4 bilhões.

Covid-19 volta a assombrar europeus; Espanha passa de 1 milhão de casos

A pressa na organização da operação não ocorre por acaso. Nos últimos dias, o número de novas contaminações voltou a bater taxas inéditas, enquanto a Espanha passou a ser o primeiro país europeu com mais de 1 milhão de casos.

Ainda que o número de mortes seja uma fração do pico de março e abril, dentro da OMS o temor é de que o mundo uma vez mais seja surpreendido pelo vírus. "Já fomos surpreendidos uma vez. Não dá para aceitar um novo fracasso", admitiu um alto funcionário na agência.

Na última semana, a Europa superou as Américas em números de novos casos, com mais de 920 mil novos infectados, contra 750 mil no continente americano.

Especialistas estimam que existe um gap de duas semanas entre a curva de novos casos da pandemia e o número de mortes. Para a OMS, porém, a grande expectativa agora é saber se essa tendência será mantida ou se a nova taxa de mortalidade será mais baixa.

Por dia, o número de novos casos é três vezes o que existia em abril. Mas, na Europa, o número de mortes é apenas um quinto do seu pico

Mas uma hipótese em estudo na OMS é de que máscaras e distanciamento social possam estar ajudando a permitir que pessoas sejam expostas a uma menor dose do vírus. Segundo Mike Ryan, diretor de operações da OMS, isso está sendo avaliado, já que uma redução no tempo de exposição ao vírus poderia acabar gerando um comportamento diferente das pessoas infectadas.