Na pandemia, 99 países defendem fim de patente para vacina; Brasil é contra
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A Organização Mundial do Comércio (OMC) retoma nesta sexta-feira as negociações sobre as patentes de vacina e tratamentos contra a covid-19. Mas um impasse entre países ricos e emergentes impede que o assunto consiga chegar a uma solução.
No total, 99 dos cerca de 160 países membros da entidade anunciaram o apoio ao projeto de suspender a aplicação de patentes para produtos relacionados com a covid-19. A meta é a de garantir que a propriedade intelectual não seja um obstáculo para o acesso de bilhões de pessoas pelo mundo à vacina, até que haja uma imunidade de rebanho contra o vírus no mundo. Entidades internacionais, como a OMS, saíram em apoio da ideia, além de movimentos sociais e igrejas de todo o mundo.
Mas, revertendo décadas de uma postura tradicional da diplomacia brasileira, o Itamaraty optou por se recusar a se unir ao grupo que sugere a suspensão das patentes. Nesta semana, durante a reunião de cúpula dos Brics, os líderes de África do Sul e Índia voltaram a defender a ideia. Mas o presidente Jair Bolsonaro não tocou no tema.
A coluna revelou com exclusividade em outubro a postura do Brasil diante do debate. Hoje, apenas os países ricos se recusam a aceitar a ideia de suspender patentes, temendo que a medida possa afetar suas empresas farmacêuticas. Hoje, as três grandes promessas de vacinas contra a covid-19 vêm justamente de companhias com sede na Europa ou EUA. Nas negociações para a venda de produtos, nenhuma delas abriu mão de suas patentes.
Sem patentes, a ideia é de que países poderiam ampliar a produção de genéricos ou reduzir o pagamento de royalties para essas empresas. Além disso, as condições favoráveis que estão sendo negociadas apenas são válidas por um período de pandemia. No caso do Brasil, o acordo com a AstraZeneca revela que é a empresa quem tem o poder de declarar quando esse período de pandemia termina.
Para o Itamaraty, as regras do comércio já permitem uma flexibilidade suficiente para que, em caso de necessidade, governos solicitem a quebra de patentes. Nos anos 90 e início do século 21, o Brasil liderou o movimento global por um acesso mais justo ao tratamento contra a Aids.
De que lado da história estão?
Num comunicado, a entidade Médicos Sem Fronteira apelou para que a proposta de suspensão das patentes seja apoiada por todos.
Sidney Wong, diretor executivo da campanha de acesso a remédios da MSF, insistiu que a disputa na OMC é um sinal do comportamento de países e empresas. "Os governos precisam se perguntar qual lado da história querem estar quando os livros sobre esta pandemia forem escritos", disse Wong.
Para a entidade, o que chama a atenção é que nem mesmo na pior pandemia em cem anos as empresas abriram mão de patentes. Estudos têm revelado que, para o desenvolvimento das vacinas, as multinacionais contaram com injeções e subsídios de mais de US$ 12 bilhões de governos. Agora, insistem que o produto é de propriedade privada.
"Todas as ferramentas e tecnologias de saúde COVID-19 devem ser verdadeiros bens públicos globais, livres das barreiras que as patentes e outras propriedades intelectuais impõem", defende Wong.
"Desde o início da pandemia, as corporações farmacêuticas têm mantido a sua prática padrão de controlo rígido sobre os direitos de propriedade intelectual, enquanto prosseguem acordos comerciais secretos e monopolistas que excluem muitos países em desenvolvimento de beneficiarem", alertou a entidade.
Um exemplo, segundo eles, é a Gilead, que entrou numa licença bilateral restritiva para um dos únicos medicamentos que demonstrou benefícios potenciais para tratar a COVID-19, o remdesivir. O resultado foi a exclusão de quase metade da população mundial de beneficiar da concorrência dos genéricos com preços mais baixos.
Além disso, vários medicamentos novos e remédios e anticorpos monoclonais que estão sendo testados como tratamentos promissores para a COVID-19 já estão patenteados em muitos países em desenvolvimento tais como o Brasil, África do Sul, Índia, Indonésia, China e Malásia.
"E com exceção de uma empresa, nenhum dos criadores da vacina se comprometeu a tratar a propriedade intelectual de forma diferente do status quo", alerta.
Para Khosi Mavuso, representante médico da MSF na África do Sul. a abolição dos monopólios sobre as ferramentas médicas COVID-19 permitirá a colaboração global para aumentar a produção, o fornecimento e o acesso de todos.
"Com mais de 1,3 milhão de vidas já perdidas para a COVID-19, os governos não podem dar-se ao luxo de perder mais tempo à espera de movimentos voluntários por parte da indústria farmacêutica", defendeu.
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