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Jamil Chade

G-20 fortalece agenda climática e OMS e amplia pressão sobre Brasil em 2021

Presidente francês Emmanuel Macron, presidente brasileiro Jair Bolsonaro, príncipe herdeiro saudita Mohammed Bin Salman e o presidente russo Vladimir Putin durante reunião sobre economia digital realizada pelo G-20 em 2019 - Jacques Witt / POOL / AFP
Presidente francês Emmanuel Macron, presidente brasileiro Jair Bolsonaro, príncipe herdeiro saudita Mohammed Bin Salman e o presidente russo Vladimir Putin durante reunião sobre economia digital realizada pelo G-20 em 2019 Imagem: Jacques Witt / POOL / AFP

Colunista do UOL

22/11/2020 14h55

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Resumo da notícia

  • Depois de três cúpulas de impasse em temas ambientais, G-20 consegue declaração final que cobra compromissos ambientais
  • Ao lidar com pandemia, grupo aponta para o papel central da OMS e indica dinheiro para resposta global
  • Documento final foi considerado por governos europeus como "vitória" e "retorno" do multilateralismo
  • Trump e Bolsonaro eram dois dos principais opositores a dar maior espaço para coordenação internacional

O fortalecimento da OMS, a defesa do multilateralismo, a volta do compromisso ambiental e de que haja uma coordenação mundial para lidar com a pandemia. Com tais temas sobre a mesa, o G-20 tomou decisões e pautou o cenário internacional em 2021 com uma direção que irá aprofundar a pressão sobre a política externa de Jair Bolsonaro.

Nos últimos dois anos, o Itamaraty optou por se distanciar de organismos internacionais, insistindo que a prioridade era reforçar a soberania do país. O governo também passou a questionar ações e decisões de agências, como a OMS, e dar sinais de que seus compromissos com tratados internacionais não eram sólidos.

Nos temas ambientais, a postura do governo brasileiro passou a ser de críticas aos líderes estrangeiros, sem dar qualquer sinal do que estaria disposto a fazer para cumprir suas metas do Acordo de Paris.

Em parte, a atitude do Brasil era respaldada pelo governo de Donald Trump, claramente isolacionista e que passou a insistir em seu lema "America First". O impacto foi o enfraquecimento de temas globais e da coordenação internacional.

Mas a cúpula das maiores economias do mundo, neste fim de semana, marcou o fim da presença internacional do americano e, segundo negociadores, houve uma clara determinação de várias delegações para estabelecer decisões que já fossem um espelho da esperança de que o governo de Joe Biden volte a favorizar a cooperação internacional.

Trump não saiu de cena sem causar polêmica. Em seu discurso no sábado, afirmou que esperava "trabalhar por muito tempo" ainda com os demais líderes, numa insinuação de que não aceita sua derrota nas eleições. Mas ele também usou o palco internacional para fazer um ataque violento contra o Acordo de Paris.

Negociadores comentaram que os demais líderes estavam comprometidos em manter a direção das conversas e minimizaram as declarações de Trump, preferindo insistir sobre o fato de que existe um compromisso de Biden com o Acordo de Paris.

O multilateralismo de volta e OMS fortalecida

Um dos pontos centrais da declaração final do G-20 reflete esse novo momento. O texto foi interpretado como uma busca por um fortalecimento da ideia do multilateralismo, duramente abalado pelo isolacionismo de Trump.

"Vimos sinais claros do G-20 de apoio ao multilateralismo", disse Mohamed Al Jadaan, ministro de Finanças saudita. A chanceler Angela Merkel apontou para a mesma direção, indicando como o multilateralismo saiu fortalecido da cúpula.

No texto final, os governos ressaltaram "os importantes mandatos do sistema e agências das Nações Unidas, principalmente da OMS". A declaração fala sobre a necessidade de que a entidade passe por uma reforma para garantir maior transparência e eficácia. Mas deixa claro que a agência duramente criticada pelo Brasil e EUA tem um papel central na coordenação e apoio à resposta global à pandemia".

O fortalecimento das entidades internacionais é visto pelos ideólogos no Itamaraty como um sinal de uma onda "globalista" e que ameaçaria os interesses nacionais dos países.

O encontro ainda serviu para que a Europa anunciasse que, em 2021, vai querer usar a nova agenda internacional para propor um tratado global, com sede na OMS.

"Um tratado internacional sobre pandemias poderia ajudar a prevenir futuras pandemias e ajudar-nos a responder mais rapidamente e de uma forma mais coordenada", defendeu o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

"Deveria ser negociado com todas as nações, organizações e agências da ONU, em particular com a OMS. A OMS deve continuar a ser a pedra angular da coordenação global contra as emergências sanitárias. Um Tratado sobre Pandemias poderia complementar os seus esforços", completou o europeu.

A Itália assume a agenda e presidência do G-20 em 2021 e, entre os objetivos, já indicou que vai defender uma solução multilateral para a pandemia.

Fim do impasse sobre o clima

Outro tema que saiu fortalecido do G-20 foi a questão climática. Nos últimos meses, o veto de Trump e a má vontade do Brasil em ver o assunto prosperar havia freado avanços mais significativos.

Nas últimas três cúpulas do G-20, o tema climático era alvo de um impasse e não pode entrar nas declarações finais. Agora, o comunicado final, a questão ambiental volta fortalecida. "Para reconstruir um mundo mais sustentável, inclusivo e resiliente, precisamos também intensificar as ações para combater as mudanças climáticas", defendeu Ursula van de Leyen, presidente da Comissão Europeia. "A UE lidera o caminho para a neutralidade climática até 2050 e muitos parceiros do G20 assumiram agora os mesmos compromissos", disse, ao final do encontro.

No texto final, os governos "reiteram o apoio para enfrentar os desafios ambientais prementes, tais como as alterações climáticas e a perda de biodiversidade, à medida que promovemos o crescimento económico, a segurança energética e a proteção ambiental".

A declaração ainda indica que os signatários do Acordo de Paris "reafirmam o seu empenho na sua plena implementação, refletindo responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades, à luz das diferentes circunstâncias nacionais".

No texto, os governos se comprometem a manter seus compromissos assinados em Paris, inclusive o de que comunicar, estratégias de desenvolvimento a longo prazo para reduzir emissões de gases com efeito de estufa.

Coadjuvante

Para negociadores, a presença do Brasil na cúpula foi um reflexo de sua perda de relevância internacional. "De protagonista por anos, os brasileiros são hoje meros observadores em muitos dos temas, coadjuvantes", disse um diplomata estrangeiro envolvido há anos nas cúpulas do G-20.

O presidente Jair Bolsonaro não compareceu ao encerramento da cúpula do G-20, deixando seu lugar sendo ocupado na transmissão ao vivo para o mundo pelo chanceler Ernesto Araújo. O brasileiro tampouco tinha participado do debate público sobre pandemia e nem sobre mudanças climáticas.

Durante o evento final, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, fez questão de destacar qual será sua agenda para a presidência do G-20 em 2021. "Ninguém pode vencer os desafios globais sozinhos. Pandemia mostra isso", alertou.

Num recado claro contra países que optam pelo isolacionismo, ele ainda apontou que o "multilateralismo não é uma opção. "É o único caminho sustentável", completou.