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Jamil Chade

Para vacinar mais pessoas, OMS admite brecha de até 6 semanas entre doses

Fabricante afirma que produto foi testado para que segunda dose fosse dada em até 28 dias, mas agência internacional assume risco para que mais pessoas possam receber sua primeira dose - 31/10/2020 REUTERS/Dado Ruvic
Fabricante afirma que produto foi testado para que segunda dose fosse dada em até 28 dias, mas agência internacional assume risco para que mais pessoas possam receber sua primeira dose Imagem: 31/10/2020 REUTERS/Dado Ruvic

Colunista do UOL

05/01/2021 14h32

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A OMS (Organização Mundial da Saúde) concedeu hoje uma "brecha" para que a vacina desenvolvida pela Pfizer/BioNTech possa atingir um número maior de pessoas. A informação foi dada por Alejandro Cravioto, presidente do grupo que serve para aconselhar a OMS sobre temas de imunização (SAGE, na sigla em inglês).

Idealmente, a entidade decidiu nesta terça-feira que a vacina deve ser dada em duas doses, com uma diferença entre 21 e 28 dias entre as aplicações. Mas, "em situações excepcionais", a agência admite que a segunda dose poderia ser aplicada em até seis semanas. A meta é a de permitir que haja um número maior de doses e um volume maior da população que poderia ser beneficiada.

A agência admite que não existem dados finais sobre o que significaria esse adiamento. Mas considerou que, entre o risco de ver uma explosão de casos e o risco de uma proteção menor em cada indivíduo, países poderiam optar pelo segundo caminho.

Ainda como uma maneira de ampliar a capacidade de vacinação dos países, a OMS indicou que aquelas pessoas já foram contaminadas pela covid-19 num prazo de seis meses poderiam ficar isentas da vacina e também adiar sua imunização. Isso também ampliaria a disponibilidade de doses, num cenário de penúria mundial pelo produto.

Países europeus já planejam adiar segunda dose

No final de 2020, a OMS já havia autorizado o uso emergencial da vacina da Pfizer, o que facilitaria sua aprovação por agências regulatórias pelo mundo. No caso da Anvisa, a OMS explica que não existe uma obrigatoriedade de a agência brasileira aceitar a recomendação da entidade internacional. Mas o processo poderia acelerar sua aprovação no Brasil.

Diante da aceleração da transmissão do vírus, governos como o do Reino Unido e Dinamarca indicaram que irão adiar a segunda dose da vacina, permitindo que um número maior de pessoas seja imunizado com a primeira dose. O governo da Alemanha também indicou que estudaria a opção.

Nesta terça-feira, porém, a BioNTech advertiu que a eficácia máxima de sua vacina covid-19 não seria demonstrada se a segunda injeção fosse adiada.

"A eficácia e segurança da vacina não foi avaliada para outras dosagens" além das duas injeções com 21 dias de intervalo aplicadas no ensaio clínico, explicou a empresa alemã. "Mesmo que os dados mostrem que há proteção parcial 12 dias após a primeira dose, não há dados que mostrem que a proteção permanece em vigor após 21 dias", explicou a BioNTech. "Acreditamos que uma segunda injeção é necessária para proporcionar a máxima proteção contra a doença", acrescentou a empresa.

Países precisam investir e planejar vacinação

Os especialistas da OMS ainda indicaram que são contra a imposição de exigências de vacina para viagens, já que não existem provas de que a vacina impeça a transmissão.

Mas a agência insistiu que governos precisam ampliar seus esforços na preparação de campanhas de vacinação e alertam que, mesmo aqueles que tinham confiança em seus sistemas, hoje descobrem que s gargalos são reais.

Mike Ryan, diretor de operações da OMS, pediu que governos façam investimentos para garantir a entrega de vacinas. "Isso exige planejamento, recursos e mão de obra", disse.

De acordo com com a agência, cerca de 30 países começaram sua vacinação. Mas a OMS insiste que o momento é de mostrar solidariedade e garantir que os produtos possam chegar aos países mais pobres. No caso da aliança de vacinas - a Covax - a agência ainda aposta no fornecimento do imunizante fabricado na Índia entre fevereiro e março, apesar de dúvidas da parte do produtor.

Na avaliação da OMS, a vacinação será o ato com a maior capacidade de estabilizar a economia global e a crise sanitária. E, portanto, a agência voltou a insistiu sobre a necessidade de que governos façam sua parte. "As pessoas precisam vir primeiro", disse Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. "Em temos morais e para a segurança global, precisamos agir", disse.

Como desejo de ano novo, o etíope foi claro: "que haja menos politicagem na pandemia".

Festas de final de ano e nova variante: terão consequências

Se a questão das vacinas é central, a OMS também deixou claro que está preocupada com a atual situação das transmissões do vírus e o impacto das festas de final de ano.

Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, alertou que a "pandemia ainda é uma crise maior". "Estamos numa corrida para salvar vidas e rendas e acabar com a pandemia", disse. Segundo ele, as novas variantes do vírus - mais transmissíveis - exacerbam os riscos. Além disso, as festas de final de ano e o fato de no Hemisfério Norte o inverno ter colocado pessoas em locais fechados poderiam gerar uma situação preocupante. Para ele, esses cenários "são mais arriscados" e "terão consequências".

"Estamos numa nova fase da pandemia", disse. Segundo ele, em alguns países, os números atuais são tão elevados que as taxas de ocupação de UTIs estão atingindo níveis "perigosos".

Tedros voltou a alertar sobre a dificuldade em equilibrar medidas de abertura comercial e contenção do vírus. Mas insistiu que a prioridade deve ser "salvar vidas". Para isso, contatos devem ser minimizados.

Sua declaração foi recebida por diplomatas europeus como um sinal de apoio da OMS às novas medidas de lockdown adotadas pelo continente.

Crise com a China

A OMS ainda aproveitou sua coletiva de imprensa nesta terça-feira para fazer uma rara crítica contra a China. A agência mandou, depois de meses de negociação, uma equipe para investigar a origem do vírus.

Mas Pequim não teria concedido o visto. De acordo com a OMS, um dos técnicos teve sua viagem negada, enquanto um segundo foi desviado para um terceiro país, aguardando uma solução. Tedros qualificou a situação de "decepcionante" e diz que fez pressão para que o caso seja resolvido de forma imediata.

A OMS foi alvo de ataques por conta da forma pela qual evitou criticar a China no início da pandemia. A esperança era de que, sem atritos, Pequim e Genebra pudessem colaborar. Mas só um ano depois da descoberta do vírus é que uma equipe internacional finalmente se encaminha para o país asiático. E, mesmo assim, com sérios obstáculos.

O grupo quer saber como o vírus foi transmitido e se, de fato, teve origem em um mercado na cidade de Wuhan.