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Índia faz Bolsonaro sentir gosto amargo do nacionalismo que tanto defende

                                 Bolsonaro ao lado do premiê indiano Narendra Modi em Brasília, em 2019                              -                                 ALAN SANTOS/PR
Bolsonaro ao lado do premiê indiano Narendra Modi em Brasília, em 2019 Imagem: ALAN SANTOS/PR

Colunista do UOL

15/01/2021 18h36

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A dificuldade do governo de Jair Bolsonaro em obter as vacinas fabricadas na Índia não é aduaneira e nem científica. Tampouco se trata de um problema de transporte e nem de um risco de calote. Brasília, no fundo, esbarra em outro obstáculo: o nacionalismo do governo indiano.

Neste fim de semana, Nova Déli inicia sua vacinação em massa, prevendo 600 milhões de doses para os próximos meses.

O governo ultranacionalista indiano tem sido pressionado por sua base mais radical a demonstrar agora que esse caráter do discurso do primeiro-ministro Narendra Modi vai além das palavras. Diplomatas na Índia confirmaram à coluna que um dos aspectos para fechar essa equação das entregas ao Brasil era a questão política.

Foi justamente esse nacionalismo que aproximou os dois líderes. No ano passado, Modi convidou Bolsonaro para a celebração do dia nacional do país. O indiano é acusado de fazer uma campanha nacionalista, de atacar minorias e até de minar o caráter de diversidade do país. Seus laços com líderes da extrema-direita também têm sido alvo de polêmicas.

Seu convite ao brasileiro para que estivesse ao seu lado na principal festa do país foi alvo de duras críticas. "Ele se perdeu ao chamar Bolsonaro, um homem que o mundo tenta ficar distante", disse Kavita Krishnan, representante da All India Progressive Women's Association, em entrevista ao HuffPost India. A data do 26 de janeiro é, para muitos no país, uma celebração da Constituição, da liberdade e da democracia. Bolsonaro, ali, seria uma ofensa.

No caso da vacina, a narrativa nacionalista do governo indiano sequestrou o debate. A promessa do governo foi de que, antes de cumprir qualquer acordo que já havia sido fechado no exterior, as fábricas indianas abasteceriam o mercado doméstico.

O problema é que, produzindo 60% das vacinas do mundo para todas as demais doenças, a Índia é indispensável para que empresas como a AstraZeneca possam cumprir seus acordos bilionários já assinados com governos de todo o mundo.

Além disso, para não ter de importar, o país acelerou a aprovação de produtos locais. A falta de transparência gerou duras críticas.

O "nacionalismo de vacinas" da Índia seria a tradução da política de Modi conhecido como "atmanirbhar Bharat". Ou "Índia resiliente", uma tradução do "America first" de Trump.

Assim, no processo de aprovação da vacina no país, passou a ser "antipatriótico" questionar a eficácia do imunizante e quando cientistas pediam dados ou alertavam que a fase 3 de testes sequer tinha sido concluída no caso da Bharat Biotech, foram alvos de ataques coordenados nas redes sociais por apoiadores do BJP, o partido nacionalista de Modi.

Bolsonaro contava com sua boa relação com o presidente indiano para conseguir a liberação das doses. Mas, de uma forma irônica e trágica, descobriu os limites do nacionalismo, o último recurso dos vendedores de ilusão.