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Sem doses suficientes, Brasil se cala na OMC para evitar crise com Índia
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Resumo da notícia
- Impasse entre países ricos e emergentes ficou evidenciado em encontro nesta quinta-feira, em genebra
Numa mudança de sua postura diante da vulnerabilidade do país diante do abastecimento de vacinas, o Itamaraty optou por permanecer em silêncio durante uma reunião na Organização Mundial do Comércio (OMC), nesta quinta-feira, que tratou da proposta da Índia de permitir a quebra de patentes dos imunizantes.
Brasília, ao lado de países ricos, passou meses bloqueando uma proposta dos indianos e sul-africanos para suspender as patentes de vacinas e permitir que o imunizante seja produzido em sua versão genérica. Sem a patente, vacinas poderiam ser produzidas por laboratórios em outras partes do mundo, acelerando o acesso dos produtos a milhões de pessoas e por preços mais baixos.
Na reunião desta quinta-feira, em Genebra, o impasse permaneceu. De um lado, países ricos se recusam a aceitar uma revisão das regras de monopólio de patentes. De outros, países em desenvolvimento insistem que será apenas com genéricos que o mundo poderá atingir uma fabricação suficiente de doses para vacinar 70% do planeta. Sem isso, alguns países poderiam garantir uma imunidade de sua população apenas em 2024.
O projeto começou a ser negociado no segundo semestre de 2020. Em janeiro, diante da necessidade de conseguir um acordo com a Índia para obter vacinas, o Itamaraty se manteve em silêncio durante um encontro na Organização Mundial do Comércio (OMC). O gesto foi interpretado como um recuo estratégico para não queimar a negociação e permitir que um número maior de doses possa chegar ao Brasil nos próximos meses. Parte da produção da AstraZeneca é realizada na Índia. Mas cabe ao governo de Nova Déli autorizar ou não as exportações.
Nesta quinta-feira, uma reunião fechada na OMC em Genebra (Suíça) voltou a debater o tema. E, mais uma vez e de uma forma enfática, a opção do Brasil foi a de abandonar suas fortes críticas por uma postura de silêncio. A mudança não significa que o Itamaraty passou a apoiar a quebra de patentes. Mas, sem acesso às vacinas, a opção foi por manter uma ambiguidade diplomática conveniente.
Diplomatas estrangeiros notaram o silêncio da delegação brasileira, destacando como o gesto havia sido recebido como um sinal de que negociações entre Brasília e Nova Déli estavam pesando.
Do lado brasileiro, a explicação é de que o atual sistema de patentes já abre um brecha para que licenças compulsórias sejam estabelecidas. Para o Itamaraty, portanto, bastaria usar o sistema vigente. O que o governo brasileiro não aceita é desmontar o acordo inteiro da OMC sobre patentes, como sugerem os indianos.
O encontro em Genebra ocorreu no mesmo momento em que a Federação Internacional da Cruz Vermelha revela que apenas 0,1% das doses até hoje distribuídas foi destinada aos 50 países mais pobres do mundo. Já os 50 países mais ricos do mundo ficaram com 70% de todas as vacinas até agora aplicadas.
Mas, ainda assim, o projeto de democratizar as vacinas conta com uma forte rejeição por parte dos países ricos, detentores das patentes. O Brasil, desde o começo do projeto, foi um dos únicos países em desenvolvimento a declarar abertamente que era contra a proposta, abandonando anos de liderança internacional para garantir o acesso a remédios aos países mais pobres.
A postura de silêncio do Brasil ocorre num momento que, dentro da própria Europa, algumas vozes alertam para os riscos de se manter o monopólio das vacinas nas mãos do setor privado. O bloco, durante a reunião da OMC, insistiu no fato de que quebrar patentes poderia minar os incentivos para que as empresas invistam em inovação e na busca por novas curas.
A lógica é de que, sem uma garantia de um retorno, o setor privado não investiria bilhões em projetos de desenvolvimento de remédios e vacinas.
Mas diante da crise com a AstraZeneca pela falta de abastecimento, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, acenou para "medidas urgentes". Dentro do bloco, regras existem para forçar empresas a abrir mão de suas patentes.
O governo alemão alertou que quebrar patentes neste momento não seria a solução, pois a produção não poderia ser incrementada da noite para o dia. Mas Berlim deixou claro que, se a cooperação entre as empresas farmacêuticas fracassar, "medidas coercitivas" poderiam ser tomadas.
Tommaso Valletti, ex-economista-chefe de concorrência da Comissão Europeia, também sinalizou apoio à ideia de quebra de patentes. "Acreditamos realmente que isso minaria a inovação futura, 2,2 milhões de pessoas estão mortas", alertou.
Na esperança de reverter o posicionamento internacional do Brasil, foi lançada nesta semana uma campanha liderada pela sociedade civil. Cartas foram entregues aos embaixadores dos países que impedem que o projeto possa caminhar. No documento, as entidades alertavam que a postura do governo brasileiro é "insustentável e autodestrutiva".
A mesma carta foi entregue às embaixadas dos países europeus, Canadá e EUA. Mas, de acordo com o grupo, a embaixada do Brasil na África do Sul se recusou a receber o documento.
O ato teve a participação da entidade Médicos Sem Fronteira, mas também contou com organizações como a AIDS Foundation of South Africa, Anglican Church of Southern Africa, Cancer Alliance, Eluthandweni Maternity Health Services, Health Justice Initiative, Lameze Abrahams Psychologists, The Desmond Tutu Health Foundation e entidades de enfermeiras.
"Até hoje, mais de 100 países acolhem ou apoiam a proposta de alguma forma. Cerca de 400 organizações da sociedade civil globalmente e organizações internacionais como a Organização Mundial da Saúde, UNAIDS, UNITAID e a Comissão Africana de Direitos Humanos exortaram os governos a apoiar a proposta de derrogação com urgência", constatam.
"No entanto, em vez de demonstrar solidariedade global na luta contra a pandemia, apoiando a proposta de renúncia, um pequeno grupo de membros da OMC optou até agora por não apoiar a iniciativa", disseram. "Diante de tal crise, a oposição do Brasil é insustentável e autodestrutiva", atacam.
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