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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Pfizer exigiu que países assumam indenizações para evitar processos legais

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Imagem: JUSTIN TALLIS / AFP

Colunista do UOL

25/02/2021 14h40

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Um contrato sigiloso da Pfizer para o fornecimento de vacinas, obtido pela coluna, revela que a gigante do setor farmacêutico exigiu e obteve garantias de autoridades governamentais na América Latina de que não seria alvo de qualquer processo legal por conta das vacinas contra a covid-19 e que o estado assumiria toda a responsabilidade por indenizar eventuais vítimas.

As condicionalidades fazem parte do Memorando de Entendimento entre a empresa americana e o governo do Peru, assinado no dia 17 de setembro de 2020 e decretado como "confidencial". Naquele momento, o governo peruano fechava um contrato para assegurar 9,9 milhões de doses do imunizante da Pfizer, num valor de US$ 118,8 milhões.

Segundo negociadores que estiveram envolvidos no processo de compra de vacinas, em Genebra, o acordo repete um padrão que também tem sido utilizado com outros governos pelo mundo. O Brasil negocia com a mesma empresa, mas o Planalto alerta para as exigências abusivas por parte da farmacêutica.

Nesta semana, um projeto de lei foi aprovado no Congresso, abrindo caminho para que o país possa importar vacinas da Pfizer. Mas o presidente Jair Bolsonaro indicou que poderia veta-lo.

De acordo com o contrato fechado com o Peru, o montante deveria ser pago antes da entrega das vacinas. "O pagamento completo de cada lote é uma condição para o fornecimento de cada lote futuro", diz o contrato, assinado por Susan Silbermann, presidente global e de mercados emergentes da Pfizer e Pilar Soler, ministra da Saúde do Peru.

O contrato, porém, vem com um anexo, no qual as condições são claramente colocadas: a empresa fica isenta de qualquer obrigação de atender a uma indenização eventual decidida pela Justiça. Toda a cadeia de desenho, pesquisa, desenvolvimento e fabricação ficam protegidas de qualquer queixa que poderá existir.

Cabe ainda ao Ministério da Saúde provar, antes do início das entregas, que o país conta com "fundos adequados para se comprometer com as obrigações de indenização e outorgar proteção adequada aos provedores por reclamações surgidas do ou em conexão à vacina e seu uso".

Ou seja: o governo precisa provar à empresa que conta com ativos, recursos ou patrimônio capaz de sanar eventuais litígios na Justiça, que poderiam envolver milhões de dólares.

Sem tais condições, o acordo simplesmente não seria assinado, o que dificulta a capacidade de países mais pobres em negociar o acesso às vacinas. O Banco Mundial, por exemplo, já admitiu que tais condições estão impedindo que governos consigam acesso aos imunizantes, atrasando o fim da pandemia.

Nos últimos dias, a OMS vem colocando pressão para que o setor farmacêutico amplie seus acordos de licenciamento e que adote uma postura mais flexível. Alguns governos, como da Índia e África do Sul, são ainda mais claros em dizer que, diante da pandemia, patentes devem ser suspensas.

Esses são, de acordo com o contrato, "condições prévias" a qualquer abastecimento. Também fica estabelecido que a empresa é a única dona das patentes da vacina.

Toda responsabilidade sobre o governo

Pelo acordo, também fica explícito que, em caso de qualquer tipo de efeito colateral ou processos por parte de famílias e pacientes, caberá ao governo indenizar a pessoa prejudicada, e não a empresa.

O governo, assim, concorda em "indenizar, defender e manter isento de responsabilidade a Pfizer/ BioNtech e cada uma de suas filiais, contratados, sub-contratados, licenciados, distribuidores, fabricantes, provedores de serviços, pesquisadores de testes clínicos, e terceiros que a Pfizer ou BioNtech possam direta ou indiretamente dever uma indenização por ocasião da pesquisa, desenvolvimento ou fabricação da vacina".

Pelo contrato, tal proteção também vale para funcionários, empregados ou representantes e contra qualquer "julgamento, declarações, ações, demandas, perdas, danos, responsabilidades sanções, multas e custos relacionados com a vacina".

Na lista de condições impostas pela empresa, fica também estabelecido que a proteção vale para todas as etapas relativas à vacina e vacinação, incluindo desenho do produto, desenvolvimento, pesquisa, formulação, prova, teste clínico, fabricação, etiqueta, embalagem, transporte, armazenamento, distribuição e comercialização da vacina.

Também fica estabelecido pelo acordo que a vacina deve ser mantida "congelada a uma temporada de -80 Celsius". "A vacina deve descongelar-se no mesmo dia de sua administrada e conservar-se a uma temperar de entre 2 d 8 Graus Celsius até o momento de sua aplicação", diz.

Negociação com o Brasil

A coluna questionou a empresa sobre o contrato com o Peru e pediu os seguintes esclarecimentos:

- Esses termos são colocados pela empresa em outros contratos?

- Na negociação com o Brasil, esse mesmo anexo é sugerido pela empresa?

- Com quantos governos a Pfizer já fechou contrato?

Num curto comunicado, a empresa apenas informou que "em relação as negociações com o governo brasileiro para a disponibilização da vacina contra a covid-19, a Pfizer esclarece: Até o momento, 69 países assinaram contrato com a Pfizer, com condições em linha com as apresentadas ao Brasil".