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ONU aprova criação de inquérito sobre Israel; Brasil não apoia medida
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Resumo da notícia
- Resolução proposta por países árabes foi aprovada por 24 votos a favor, 9 contra e 14 abstenções
- ONU fala em possíveis "crimes de guerra" por parte de Israel em Gaza
- Brasil optou por se abster e disse que não concordava com criação da comissão de investigação
- Autoridade palestina lamentou postura do Itamaraty
O governo de Jair Bolsonaro se abstém em votação na ONU e não apoia a criação de uma investigação internacional contra Israel por seus recentes ataques em Gaza.
Aprovado, o projeto foi colocado à votação nesta quinta-feira no Conselho de Direitos Humanos da ONU, que se reuniu de forma extraordinária para debater a recente crise entre palestinos e israelenses. Os confrontos deixaram 240 mortos entre palestinos e doze civis israelenses.
Mas, na prática, o que foi estabelecido é um sistema de monitoramento de toda a atividade israelense nos territórios ocupados, sem uma previsão de que o inquérito seja encerrado em uma data.
A resolução que criou a comissão de inquérito foi aprovada por 24 votos a favor, 9 contra e 14 abstenções. Entre os países que rejeitaram a investigação estão Alemanha, Áustria ou Reino Unido. França, Itália e Brasil, entre outros, optaram por se abster.
A postura do Itamaraty foi lamentada pelas autoridades palestinas. Em declaração à coluna, o embaixador palestino na ONU, Ibrahim Khraishi, criticou o governo Bolsonaro. "O Brasil era um forte apoiador da causa palestina em todos os órgãos internacionais", disse. "O que vemos nos últimos dois anos é estranho", afirmou. "O Brasil era um líder na busca por justiça. Espero que entendam, eventualmente, que apenas respeitando o direito internacional é que haverá justiça", completou o diplomata.
Já a criação da comissão foi apoiada por governos como o da Argentina, Bolívia, Cuba, Venezuela, China, México e Rússia.
Apesar do cessar-fogo na região, a alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, apontou que os ataques israelenses em Gaza nas últimas semanas poderiam ser qualificados como "crimes de guerra". Ela ainda alertou que não teve informações que confirmem que os bombardeios contra edifícios na Faixa de Gaza tivessem qualquer objetivo militar justificado.
Por iniciativa dos países árabes, a nova comissão internacional de inquérito independente irá "investigar todas as violações do direito humanitário internacional desde 13 de abril de 2021".
O texto não foca apenas em Israel. Mas a ausência de uma referência direta às ações do Hamas e ao direito de defesa do governo de Benjamin Netanyahu levou governos aliados aos israelenses a acusar o projeto de não ser equilibrado.
O mandato da missão também será o de identificar o motivo da tensão. A comissão terá a função de coletar evidências de abusos e crimes, com a meta de "maximizar a possibilidade de sua admissibilidade em processos legais". O grupo ainda terá a missão de identificar responsáveis, com a esperança de que sejam levados à Justiça.
A comissão foi denunciada pelo governo de Israel, que alertou aos demais países que não há como comparar seu estado ao grupo Hamas e que foi o grupo palestino quem iniciou o confronto.
"Trata-se de uma organização terrorista que lançou 4,4 mil foguetes contra civis israelenses, vindos de casas e hospitais em Gaza", disse a embaixadora de Israel na ONU, Meirav Shahar. "Cada um deles é um crime de guerra. O que vocês fariam se terroristas atacassem Madri, Moscou ou Pequim?", questionou a delegação de Israel.
"Somos uma democracia que busca a paz e o Hamas é um grupo terrorista que tenta matar o maior número de pessoas possível", denunciou.
De acordo com a delegação israelense, o país "tomou todas as medidas para proteger civis". Mas denunciou a suposta manobra do Hamas de usar a população palestina como "escudo humano". "Não se pode ser pró-palestina e pró-Hamas ao mesmo tempo", alertou. Para Israel, a resolução é um "prêmio ao Hamas".
Brasil diz que comissão de inquérito não é o caminho
Num discurso antes do voto, a delegação brasileira foi clara em rejeitar a comissão de inquérito como uma resposta à crise. A postura ocorre um dia depois que o Itamaraty já havia votado na OMS contra uma resolução para garantir o acesso à saúde aos palestinos. Além de Brasil e Israel, apenas doze governos seguiram o mesmo padrão na votação, contra mais de 80 governos apoiando o texto.
Agora, no Conselho de Direitos Humanos, o Itamaraty uma vez mais da sinais de que continua aliado aos interesses israelenses, apesar da queda do embaixador Ernesto Araújo.
Se o Brasil tradicionalmente adotou uma postura de apoio à causa palestina desde os anos 90, o atual governo rompeu com a tradição diplomática do país e se aproximou aos israelenses, inclusive sinalizando uma mudança de sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém.
Antes do voto nesta quinta-feira, porém, o Brasil ainda tentou adotar um tom de equilíbrio em seu discurso. O Itamaraty se disse "profundamente preocupado" com a escalada de violência na região e a morte "em ambos os lados".
O novo chanceler, Carlos França, fez em Brasília contatos com autoridades árabes e deixou claro que levaria em consideração os interesses palestinos.
"Palestinos e israelenses merecem ter seus direitos humanos atendidos", disse a delegação brasileira na ONU. "O Brasil condena todos os ataques contra civis", insistiu. "Pedimos a todos os atores que respeitem o direito humanitário internacional", disse.
Itamaraty condena Hamas, mas apenas faz apelo aos israelenses
Ainda assim, os acontecimentos das últimas semanas foram tratados de forma diferente pelo Brasil. "Condenamos nos termos mais fortes os ataques indiscriminados de foguetes de Gaza pelo Hamas", disse a delegação brasileira na ONU. "É inaceitável e mostra desrespeito por vida civis", afirmou.
O tom foi diferente ao se referir aos ataques de Israel em Gaza. "Os relatos de perdas de vidas e destruição de infra-estrutura em Gaza são de extrema preocupação e pedimos que forças de Israel adotem máxima cautela, e respeitam o direito internacional, enquanto exercem seu direito à autodefesa", afirmou o Brasil.
O Itamaraty ainda insistiu que reconhece que o Conselho de Direitos Humanos tem um papel a desempenhar na crise. Mas alerta que o inquérito não ajudaria.
"Ainda que o que a resolução proponha não seja sem mérito, acreditamos que uma nova comissão de inquérito não iria, neste momento, contribuir para apoiar a paz e diálogo entre as partes", defendeu o Brasil. Para o governo, o caminho deve ser o de um esforço diplomático para que haja um acordo na região que leve em consideração "os interesses legítimos de ambos os lados".
Palestinos e relator da ONU denunciam "apartheid"
A recusa de alguns governos em apoiar o projeto foi criticada pelas autoridades palestinas, que acusam países de "continuar a encobrir crimes". Num discurso antes da votação, a delegação palestina denunciou o "estabelecimento de um regime de apartheid" por parte de Israel e lembrou que os ataques sobre Gaza levaram a mais de 200 mortes, entre elas 39 mulheres e 60 crianças.
"Essa foi mais uma nova agressão de um regime racista, covarde e que viola a lei internacional", disse. Para os palestinos, isso apenas ocorre por não existir uma ação internacional suficiente.
Michael Lynk, relator da ONU sobre a situação de direitos humanos nos territórios palestinos, também alertou que a última crise é resultado da falta de uma ação internacional.
"O que testemunhamos em Gaza nestas últimas semanas assombra a consciência do mundo", disse. "Aproximadamente 240 palestinos mortos, a maioria dos quais eram civis e pelo menos 66 eram crianças. Quase 2.000 ficaram feridos. Houve uma destruição maciça de propriedade. Tudo isso nas mãos de um dos militares mais bem equipados do mundo moderno", alertou.
"Não há outra situação comparável no mundo moderno onde uma potência enclausurou e aprisionou uma comunidade inteira de pessoas", disse o relator.
"Quando a violência intensiva revisita os palestinos em Gaza, como acontece regularmente, não há como escapar. Esta restrição medieval às liberdades básicas já dura 14 anos e é uma mancha terrível para nossa humanidade", alertou. "Esta é uma ocupação que passa a ser cada vez mais uma anexação", completou.
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