Biden consultou Brasil sobre participação em Cúpula da Democracia

O governo de Joe Biden realizou consultas com o Brasil, tanto em Washington como em Brasília, para avaliar a participação do governo de Jair Bolsonaro na Cúpula da Democracia, planejada pelos americanos para dezembro. Mas entidades de direitos humanos insistem que o convite não pode ser feito com base em alianças, mas nos valores defendidos pelo governo.

O evento está sendo organizado pela Casa Branca para marcar a suposta "volta dos EUA" no cenário internacional, defendendo tanto valores democráticos como o multilateralismo. A cúpula também deveria marcar uma ruptura em relação ao posicionamento de Donald Trump. Mas a reunião tem ainda como meta geopolítica a formação de uma espécie de coalizão internacional para frear o avanço da China.

De acordo com fontes diplomáticas na Europa, os convites oficiais ainda não foram enviados pelos americanos e ainda é um ponto de interrogação a lista final de presença. Mas, nos bastidores, enviados de Biden já começaram a negociar o programa do evento e uma declaração de princípios com alguns de seus parceiros mais próximos.

Internamente no Itamaraty, as consultas com o Brasil sobre uma eventual participação foram interpretadas pela ala que não simpatiza com Bolsonaro como uma manobra dos EUA para enquadrar o presidente a não deixar ele abandonar esses valores, além de conseguir uma espécie de compromisso por parte de Bolsonaro de não promover uma ruptura. Mas existem dúvidas sobre a manipulação potencial que o governo brasileiro possa fazer de sua presença.

O processo de envio de convites e escolha final dos participantes acabou sendo afetado pela crise no Afeganistão, que mobilizou a diplomacia americana e abalou sua credibilidade. Mas, segundo fontes europeias, a previsão é de que os convites formais sejam enviados durante as próximas semanas.

O evento com um nome de "democracia" e com a participação de Bolsonaro causa preocupação na sociedade civil brasileira. O temor é de que tal participação de um respaldo ao presidente para manter sua narrativa para sua base mais radical de que é considerado como um democrata no mundo.

Para o 7 de Setembro, de fato, o governo americano emitiu um comunicado. Mas apenas "congratulando" o Brasil pelo aniversário da independência.

"Os Estados Unidos e o Brasil compartilham um relacionamento estratégico de longa data com forte cooperação em nossas prioridades comuns de democracia regional, segurança e prosperidade, e nossos povos estão unidos através de laços familiares, acadêmicos e comerciais", disse o Departamento de Estado.

"Este último ano trouxe muitos desafios para o povo do Brasil, dos Estados Unidos e de todo o mundo. Estou satisfeito que os Estados Unidos tenham sido capazes de apoiar o governo e o povo do Brasil nos esforços para combater a pandemia da COVID-19", indicou o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken. "Estou confiante de que, trabalhando juntos, veremos um futuro mais brilhante e uma parceria ainda mais forte entre nossas duas nações", completou.

Já entidades internacionais de direitos humanos, mesmo sem citar a questão brasileira, alertaram sobre o risco de que a cúpula seja transformada em apenas uma reunião de aliados, deixando princípios de lado.

O americano Kenneth Roth, diretor-executivo da entidade Human Rights Watch, ex-procurador federal dos EUA e uma das vozes mais ativas no campo dos direitos humanos no mundo, é um dos que teme a transformação da cúpula.

Segundo ele, o governo de Bill Clinton também convocou uma reunião do mesmo estilo, durante seu mandato. "Mas ele cometeu o erro de convidar todos os aliados, e não democracias", disse. "Espero que Biden não repita o erro e que só convida quem mereça e que presida sobre democracias", afirmou.

"Se ele trouxer só aliados, será uma cúpula de aliados. Espero que Biden mantenha padrões elevados para os convites", disse.

Para o americano, porém, o Brasil vive uma dualidade. "O país é uma democracia vibrante. Mas é presidida por alguém que quer minar isso", alertou. "Estamos muito preocupados com os ataques de Bolsonaro contra a democracia", disse o chefe de uma das principais entidades de direitos humanos no cenário internacional.

Roth considera que, nos atos de 7 de Setembro, Bolsonaro "repetiu" a cartilha de Donald Trump ao questionar sem base uma suposta fraude nas eleições, além de atacar jornalistas e sociedade civil.

"Temos fé na democracia brasileira", disse. "Mas Bolsonaro faz o que pode para minar essa democracia. É uma preocupação não apenas para os brasileiros. Mas para o resto do mundo e estamos acompanhando de muito perto o que está ocorrendo", afirmou.

Roth insiste, porém, que tem esperança de que a democracia brasileira vai resistir aos ataques por parte do presidente. "Temos confiança nas instituições brasileiras. Os controles funcionam, a imprensa fez seu trabalho, assim como existe uma sociedade civil sólida", disse. Mesmo assim, ele alerta que o momento é de "gerar pressão" sobre Bolsonaro.