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COP26 vive "polarização completa" e otimismo inicial se transforma em temor
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Resumo da notícia
- Brasil ainda não oficializou flexibilização de posição em crédito de carbono
- Impasse sobre financiamento marca processo negociador
- Ministros assumirão negociações a partir de segunda-feira, em reta final da COP26
Quando os negociadores deixaram as salas de reunião já no início da madrugada entre sábado e domingo, o sentimento era de que o otimismo inicial que existia sobre a possibilidade de um acordo em Glasgow estava sendo substituído por um temor real de um fracasso. Longe das ruas onde manifestantes, ativistas e indígenas exigem uma solução para o planeta, a realidade dos gabinetes é de tensão e, em alguns casos, a constatação de que um cenário de colapso não pode mais ser descartado.
A Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas concluiu sua fase de negociações técnicas sem um acordo nos principais pilares do processo e, a partir de amanhã, caberá aos ministros tomar decisões políticas para salvar um acordo ou adiar uma decisão para 2022.
Temas como o financiamento a países emergentes, crédito de carbono e transparência continuam sem um entendimento e, em alguns casos, pontos que começavam a caminhar para um acordo acabaram reabrindo velhas divisões.
O clima de tensão se contrasta com os ventos de otimismo que eram sinalizados nos primeiros dias do processo, em Glasgow. E parte desse tom positivo tinha sido dado pelo governo brasileiro. Ávido por não ser o "vilão climático" do mundo, Brasília mudou sua postura externa e, mesmo acusado por ambientalistas de estar manipulando dados, indicou que estaria disposto a flexibilizar sua posição sobre o mercado de carbono.
Em encontros bilaterais, o tom brasileiro gerou um certo clima de conciliação e as esperanças aumentaram sobre a possibilidade de um entendimento.
Mas, quando o processo começou, diplomatas estrangeiros se deram conta que não bastaria apenas uma nova atitude por parte do Brasil. China, Índia e Egito também mostraram resistência e, diante da falta de uma reciprocidade por parte dos países ricos, o processo gerou um impasse.
Brasil ainda não apresentou flexibilidade prometida
Mesmo no caso brasileiro, a flexibilidade que o governo havia indicado que poderia dar até agora não foi colocada oficialmente sobre a mesa. Os europeus, por exemplo, insistem que não querem que Glasgow termine com um cenário no qual uma dupla contabilidade do mercado de carbono seja estabelecida e insistem que ainda não está claro o que vai significar a flexibilidade brasileira.
Mas, do lado do governo, a preocupação é de não ceder cedo demais e não receber nada em troca.
Mesmo pontos que pareciam estar fechados, diante da falta de uma reciprocidade por parte de países ricos, acabaram sendo reabertos. Diferentes rascunhos e opções de acordos foram desenhados e serão submetidos a ministros. Mas negociadores reconhecem que esses textos ainda são insuficientes para que haja um entendimento.
Financiamento gera "polarização total"
Negociadores ainda revelaram ao UOL que existe uma "polarização completa" no capítulo sobre o financiamento da adaptação climática, o que seria o principal pilar da COP26. Em 2009, houve um acordo de princípios que os países ricos deveriam destinar a cada ano 100 bilhões de dólares aos mais pobres para permitir a transição climática. Em 2015, em Paris, esse número foi confirmado.
Mas países em desenvolvimento agora querem que Glasgow fixe um compromisso firme para que esse dinheiro possa ser distribuído, o que jamais ocorreu de forma integral. O Brasil ainda sugeriu a criação de um comitê permanente para estudar qual seria o novo valor da ajuda dos países ricos, já que os 100 bilhões de dólares são considerados como insuficientes e desatualizados.
A proposta está sendo apresentada depois que, na cúpula do G20 em Roma, o Brasil e outros emergentes tentaram incluir na declaração final um compromisso aos países ricos de que iriam ampliar doações e financiamento aos emergentes.
Para o Brasil, não faz mais sentido falar nos valores acordados há mais de uma década. "A meta de cem bilhões de dólares em apoio aos países em desenvolvimento foi estabelecida em 2009, e reafirmada pelo Acordo de Paris há seis anos. Embora esse valor não refletisse as necessidades reais para o cumprimento dos compromissos das partes, chegamos a um acordo de boa fé e demos um importante passo em frente", diz o documento submetido pelo Brasil.
"Entretanto, é claro que a meta financeira uma vez acordada não só não foi cumprida, como também está ultrapassada. Dados da OCDE e do Grupo de Especialistas Independentes sobre Financiamento Climático do Secretário-Geral da ONU apontam que os países desenvolvidos estão atrasados no cumprimento de seus compromissos de financiamento climático relacionados com a meta de US$ 100 bilhões e que isso comprometerá a própria implementação dos acordos ambientais", alerta.
O governo ainda aponta como novos cálculos indicam que "trilhões - não bilhões- são necessários para lidar com a atual lacuna financeira".
"Para atingir os objetivos do Acordo de Paris, precisamos rever e ajustar a arquitetura financeira global e os países em desenvolvimento devem estar envolvidos no processo de redesenho", propõe.
A recomendação, portanto, é de se criar um mecanismo para estipular uma nova meta, que "deve ser construída a partir de um piso de 100 bilhões de dólares por ano".
Mas, ao final da primeira semana de negociações, a constatação é de que não houve qualquer avanço neste sentido e que países ricos continuam a condicionar qualquer envio de recursos. "Há um sentimento de que as economias desenvolvidas não querem se comprometer", alertou um experiente negociador.
No lugar de um comitê formal para estudar o novo valor que deve ser apresentado, os países ricos preferem apenas um processo informal e sem estrutura para debater o que seria o novo financiamento, algo que é recusado pelos emergentes.
Para diplomatas, sem um acordo nesta questão dificilmente haverá um espaço político para que governos declarem Glasgow como um "sucesso".
Já os governos dos EUA e da Europa tentam dar garantias de que, a partir de 2023, haverá um volume suficiente de recursos. Mas não especificam nem quanto e nem por qual mecanismo vinculante esse dinheiro seria obrigado a ser repassado.
Não faltam ainda momentos inusitados. Durante a negociação, a referência no texto final ao termo "direitos humanos" e "gênero" gerou ainda um impasse. O governo da Arábia Saudita se recusou a aceitar a inclusão das referências, o que gerou uma indignação por parte de outras delegações. O governo mexicano, na noite de sábado, tomou a palavra para alertar que não aceitaria que essas referências fossem retiradas do pacto final, o que foi apoiado por Peru, Chile, UE, Venezuela, Guatemala e outros países. O Brasil também apoia a inclusão dos termos no texto de Glasgow.
Diante desse cenário, diferentes diplomatas admitem ao UOL que o otimismo inicial foi se desfazendo ao longo da semana. "Agora, só uma decisão política pode ainda salvar um acordo", completou um negociador das ilhas do Pacífico, cada vez mais frustrados com a crise no processo negociador.
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