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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Europa barra avanço sobre financiamento a pobres e ameaça Glasgow

Colunista do UOL

09/11/2021 12h47

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Resumo da notícia

  • Apesar do impasse sobre acordo na questão de repasses financeiros, há um otimismo sobre um provável acordo em mercado de crédito de carbono
  • Joaquim Leite cobra de ricos gesto em debate sobre recursos
  • Países ricos exigem transparência por parte de emergentes em medidas sobre desmatamento

As negociações para um acordo na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas esbarram na recusa da Europa e de países ricos de garantir a transferência de recursos para as economias em desenvolvimento. Os europeus ainda se negam a aceitar a criação de um mecanismo para avaliar quanto será destinado aos países pobres no futuro e nem mesmo um instrumento de transparência para revelar o que tem sido feito.

Mas um acordo sobre mercado de crédito de carbono está próximo, com o Brasil flexibilizando sua posição e uma transição sendo negociada.

O processo precisa estar concluído até sexta-feira e, apesar de certos avanços em debates sobre crédito de carbono, outros elementos do tratado ainda estão distantes de um entendimento.

Para diplomatas que participam do processo negociador, a questão financeira é o centro hoje do impasse. Em 2009, países fecharam um acordo para estabelecer que US$ 100 bilhões seriam destinados às economias em desenvolvimento para ajudar no combate ao desmatamento e na redução de emissões.

Agora, porém, Brasil, China, Índia e outros alertam que o dinheiro nunca chegou e constatam que o valor já não será suficiente para atender às necessidades de adaptação. Para estabelecer o novo valor, esses governos querem a criação de um comitê que permita examinar o novo patamar.

Os europeus, porém, se recusam a aceitar a ideia de um comitê para negociar um novo valor e apontam que serão eles quem irão determinar quanto será dado aos países pobres.

Outro ponto de discórdia é a questão do monitoramento do dinheiro enviado a cada ano. Os países ricos querem garantias de que os emergentes submeterão informes anuais sobre o que estão fazendo para atender suas metas de redução de desmatamento. A ideia é de que não se espere até 2030 para descobrir se os governos estão cumprindo seus compromissos.

Mas, de outro lado, os países em desenvolvimento querem que a mesma transparência seja exigida das economias ricas sobre quanto cada um deles está destinando em recursos aos emergentes. Nisso, os europeus são contrários.

Diante do impasse, Joaquim Leite, o ministro do Meio Ambiente, cobrou os países ricos para que façam um gesto para romper o impasse nas negociações. Falando num evento em Glasgow nesta terça-feira, ele deixou claro que o Brasil já fez seu gesto e, agora, cabe às economias do G7 reciprocar com promessas de recursos.

Ele, porém, não citou o desmatamento recorde, o desmonte dos sistemas de fiscalização, os projetos de legalização do garimpo e a recusa do governo em demarcar terras indígenas.

"O Brasil conseguiu mostrar movimentos ambiciosos. Estamos conseguindo fazer negociações importantes, principalmente sobre o financiamento", disse Leite. Para ele, "o desafio global é a transição responsável".

Leite insiste que o valor de US$ 100 bilhões por ano que deveria ser transferido pelos países ricos aos mais pobres já não é suficiente. "Precisamos de mais de US$ 100 bi por ano. Um banco já fala de US$ 5 trilhões", destacou. O valor havia sido fixado em 2009, mas nunca foi implementado de forma completa.

"O Brasil fez gestos importantes. Agora é o momento dos grandes, do G7, da UE, para mostrar também movimento claro para trazer solução. E a solução é econômica. A emergência é financeira", defendeu.

Otimismo sobre um acordo em crédito de carbono

Se o capítulo financeiro vive um impasse, negociadores estão otimistas com a possibilidade de um acordo sobre a questão do mercado de créditos de carbono. O Brasil vinha mantendo uma postura que, para os países ricos, representava um obstáculo. Mas o Itamaraty desembarcou com a disposição de negociar um acordo.

Agora, europeus e brasileiros tentam encontrar uma fórmula para permitir o estabelecimento de um período e transição. O governo brasileiro defende que compromissos de créditos assumidos ainda por meio do Protocolo de Kyoto sejam considerados, enquanto a Suíça, UE e outros ricos estimam que o momento é de um início do zero no esquema de compensações e troca de certificados de emissão.

O futuro sistema consistirá na capacidade de um país vender a outro governo créditos de emissão. Se, por exemplo, o Brasil chegar em 2030 com uma redução de emissão ainda mais ambiciosa do que esperado, poderá usar o volume para vender a diferença a países que tenham furado o teto.

O problema é que o Brasil considera que o esquema de crédito de carbono do Protocolo de Kyoto deve continuar a existir, em especial no que se refere ao setor privado. O posicionamento do país criou temores de que esteja sendo criado um "Caixa 2 ambiental", com uma contabilidade extra de emissões que não seria incluída no novo acordo.

Na semana passada, em resposta ao UOL, o negociador chefe da UE para o Clima, Jacob Werksman, admitiu que o Brasil ainda não tinha esclarecido sua postura de forma suficiente no que se refere às negociações sobre o mercado de carbono, ainda que aposte no "novo clima positivo" adotado pelo governo.

"Queremos regras de mercado que garantam transparência, que países não contem duas vezes seus créditos. Ou seja, que não exista uma conta dupla", disse.

"Nossa conversa com o Brasil até agora não nos assegura que o país compartilha da mesma visão. Mas temos sinais adicionais de flexibilidades adicionais e estamos trabalhando com eles para ver se conseguimos desenhar uma solução que dê garantias para todos", explicou o negociador na semana passada.

Diplomatas dos países ricos, porém, informaram que, desde então, o Brasil sinalizou que poderia conviver com um sistema que permita uma transição e que não haja uma dupla contagem de créditos a partir de 2030.

Não há ainda um acordo e negociadores já indicaram que irão permanecer até sexta-feira na busca de uma equação que possa atender aos interesses, tantos dos países ricos como dos emergentes.