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Bolsonaro é contra doutrinação em escola, mas quer Enem com cara do governo
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O foco daquela viagem seria apresentar o "novo Brasil" ao mundo. Mas, nas primeiras semanas de 2019, ainda descobrindo o que significava ser presidente de uma das maiores economias do mundo, o recém empossado presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deixava claro que tinha outras preocupações: o controle sobre o Enem.
Em janeiro daquele ano, Bolsonaro viajou para o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, com a missão de convencer investidores de que o país estava entrando em uma nova fase. Mas, antes de o dia de reuniões começar, a conversa entre os principais protagonistas do Palácio do Planalto era outra.
Enquanto os termômetros em Davos marcavam 9 graus negativos naquela manhã, Bolsonaro iniciava o dia em um café da manhã em seu hotel, cercado por assessores, pelo então chanceler Ernesto Araújo e o filho do presidente Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Sentado à mesa ao lado, acompanhei por cerca de 20 minutos toda a conversa, em sua viagem de estreia no cenário internacional. Assuntos estratégicos eram pontuados por questões corriqueiras e mesmo brincadeiras.
Mas a conversa então migrou para a situação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). "Pode ter certeza que alguém do PT vai vazar a prova", disse Bolsonaro. "Vai vazar", repetiu, insistindo para a facilidade que seria "tirar uma foto" do exame —principal porta de entrada para as universidades e faculdades brasileiras.
Naquela semana, o governo Bolsonaro tinha tornado sem efeito a nomeação de Murilo Resende, que assumiria a coordenação do Enem, e o nomeou para o cargo de assessor da Secretaria de Educação Superior do MEC (Ministério da Educação).
Ele havia exonerado a presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), Maria Inês Fini, no dia 14 de janeiro.
Dez dias antes, havia criticado a "doutrinação em salas de aula".
Quase três anos depois, as revelações de uma suposta interferência na prova apenas revelam uma batalha constante que o bolsonarismo escolheu ter: a de transformar as salas de aula em trincheiras de sua ideologia.
A mais recente, de acordo com denúncias de servidores, foi o pedido de mudança do termo "golpe de 64" por "revolução" na prova. O governo Bolsonaro já havia até mesmo respondido em carta oficial para a ONU (Organização das Nações Unidas) que sua visão sobre a ditadura militar (1964-1985) não era a mesma que os fatos revelam.
Mas é na reconstrução da educação que passa sua missão.
Essa não foi a primeira pressão feita. Temas relacionados com minorias, desigualdade, gênero e racismo são vistos com suspeitas por parte da ala mais radical do bolsonarismo.
Em 2020, o presidente fez questão de atacar uma das perguntas da prova, que questionava a disparidade de salários em Marta, a melhor jogadora da história do futebol feminino, e Neymar, atleta que nunca ganhou a Bola de Ouro.
"Você vê as provas do Enem. O banco de questões do Enem, não é do meu governo, é de governos anteriores", disse Bolsonaro. "Tem questões ali ridículas ainda, ridículas, tratando de assuntos?Comparando mulher jogando futebol e homem. Por que a Marta ganha menos que o Neymar...Não tem que ter comparação. O futebol feminino ainda não é uma realidade no Brasil."
O que o Neymar ganha por ano, todos os times de futebol juntos não faturam por ano. Como que vai pagar para a Marta o mesmo salário? Isso se chama iniciativa privada. Ela que faz o trabalho, ela que mostra para onde o mercado deve ir. Então fazem questões absurdas sempre pregando a igualdade, mas por baixo."
Jair Bolsonaro (sem partido), presidente, em declaração de 2020
Mais recentemente, ele indicou que o Enem começava a ficar com a "cara do governo". Para ele, a prova tinha "questões esquisitas".
Olha o padrão do Enem do Brasil. Pelo amor de Deus! Aquilo mede algum conhecimento, ou é ativismo político? Ou é ativismo também na questão comportamental. Não precisa disso."
Jair Bolsonaro (sem partido), presidente, nesta semana
Na suposta luta contra a ideologia na educação, o governo faz exatamente o que denuncia ser um problema: a de usar a escola como local privilegiado de uma guerra cultural.
De volta à estação de esqui de Davos, em janeiro de 2019, enquanto Bolsonaro falava do risco de um vazamento da prova do Enem, Eduardo interrompeu a conversa e perguntou ao grupo: "trilionário e bilionário tem (a letra) H?".
O dia estava apenas começando em Davos e o governo apenas dando seus primeiros passos.
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