Topo

Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Bolsonaro deixa de pagar agência de alimentos e pode ficar sem voto na FAO

Logo da FAO na sede da organização, em Roma - Alessandro Bianchi
Logo da FAO na sede da organização, em Roma Imagem: Alessandro Bianchi

Colunista do UOL

30/11/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Resumo da notícia

  • Dados oficiais da entidade revelam que governo brasileiro soma hoje a segunda maior dívida na organização
  • No total, a FAO espera o pagamento de quase R$ 300 milhões por parte do Brasil, referentes às contribuições obrigatórias dos últimos anos


O Brasil está prestes a perder seu direito de voto numa das principais entidades internacionais e de um valor simbólico grande para a história recente do país, a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

A crise diplomática ocorre no mesmo momento em que a instituição revela, em seus dados, um salto sem precedentes da fome no Brasil nos últimos 20 anos, enquanto o governo é denunciado por um desmonte das políticas de segurança alimentar.

De acordo com a informação coletada pela instituição, 24% dos brasileiros vivem um estágio de fome moderada, enquanto 8% atravessam uma situação de fome severa. Antes da pandemia, a taxa era de apenas 2,5%.

Dados obtidos pela coluna revelam que, desde que assumiu o cargo de presidente, Jair Bolsonaro passou a ignorar a agência internacional que lida com a fome e que tem sua sede em Roma. A FAO foi comandada pelo brasileiro José Graziano da Silva entre 2012 e meados de 2019. Graziano foi ministro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e considerado como pai do programa Fome Zero.

Mas, desde o início do primeiro ano de mandato de Bolsonaro, o país parou de pagar a instituição de forma integral. Ao completar dois anos sem fazer depósitos completos, o governo perde seu direito ao voto nas decisões da instituição. De acordo com negociadores brasileiros, essa situação está prestes a ocorrer se um pagamento importante não for feito nos próximos 30 dias.

Ao perder o direito de voto, o Brasil fica excluído das decisões da FAO, da estratégia de combate à fome ou de planos sobre meio ambiente e agricultura. Procurado, o Itamaraty não se pronunciou sobre os atrasos.

Num comunicado enviado ao governo brasileiro cobrando a dívida, a FAO detalhou a dimensão do buraco deixado pelo país.

O Brasil deve US$ 9,8 milhões e 5,5 milhões de euros, relativos ao ano de 2021. No orçamento da FAO, parte dos pagamentos é na moeda americana e uma segunda parcela é feira em euro, como forma de amenizar o impacto da variação cambial para o orçamento da instituição.

O Brasil também deve a mesma quantidade para o ano de 2020, tanto em euros como em dólares. Além disso, o país soma dívidas acumuladas de US$ 2,5 milhões e 7,1 milhões de euros, sobre o orçamento de 2019.

Isso tudo sem contar com o valor de 7,9 milhões de dólares e 5,5 milhões de euros que o Brasil precisa pagar em 1 de janeiro, relativo às contribuições para o ano de 2022.

Somando todos os anos relatados no documento da FAO cobrando o governo, a dívida chega a US$ 26 milhões e 23,8 milhões de euros. Juntos, isso equivaleria a R$ 296,5 milhões.

Em outro documento oficial da FAO, obtido pelo UOL, a entidade também constata que a dívida brasileira é a segunda maior entre todos os países que fazem parte da instituição.

Apenas o governo americano conta com um buraco maior. O que a Casa Branca deve chega a mais de US$ 110 milhões. A contribuição anual dos EUA, porém, é muito superior que a brasileira.

A crise de pagamentos do Brasil não se limita à situação na FAO. Na ONU, o governo também sofre para pagar. Mas, tendo sido eleito para o Conselho de Segurança da instituição, o governo terá de encontrar recursos para garantir a transferência de dinheiro para a ONU, antes do final do ano.

O temor em Brasília é de que, diante de tantas dívidas com as diferentes organizações, o governo Bolsonaro acabe escolhendo quais entidades receberiam os recursos de forma prioritária.