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Vale abandona processo de US$ 1,2 bi envolvendo corrupção em mina na África
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Numa reviravolta, a mineradora Vale anuncia que está abandonando um processo bilionário que movia contra um ex-parceiro em um projeto na África. Há duas semanas, o UOL revelou documentos que sugeriam que a empresa brasileira já tinha conhecimento da situação de corrupção antes da eclosão de uma guerra nos tribunais.
No centro da crise está a mina de ferro Simandou, na República da Guiné, e a parceria da Vale com o bilionário Beny Steinmetz. O empresário já foi condenado em Genebra a uma pena de cinco anos de prisão e uma multa de 50 milhões de francos suíços por corrupção de funcionários públicos estrangeiros e falsificação de documentos, no caso envolvendo a mina africana.
A empresa brasileira entrou com um processo contra o magnata, que acusa a mineradora de ter conhecimento da situação na qual estava se envolvendo.
Steinmetz teria organizado a transferência de pelo menos US$ 8,5 milhões de 2006 a 2012 para garantir o direito de explorar a mina. Para isso, pagou oficialmente US$ 165 milhões ao governo local pela concessão. Mas, 18 meses depois, ele fechou um acordo de parceria com a Vale, no valor de US$ 2,5 bilhões.
De acordo com a promotoria pública de Genebra, a partir de 2005, o executivo se envolveu em um "pacto de corrupção" com o ex-presidente da Guiné, Lansana Conté, que esteve no poder de 1984 a 2008, e sua quarta esposa, Mamadie Touré. A Vale nunca foi denunciada.
A meta desse suborno era a de retirar a mina da Rio Tinto e garantir que a Beny Steinmetz Group Resources (BSGR) ficasse com uma das maiores reservas de minério de ferro do mundo. A acusação aponta que, em 2008, a BSGR teria aproveitado das últimas horas de vida do ditador para obter a concessão da jazida de minério de ferro.
Mas, em 2011, o primeiro presidente democraticamente eleito da Guiné, Alpha Condé, iniciou uma auditoria dos contratos de mineração, o que acabou levando à suspeita sobre Simandou.
Foi apenas em abril de 2014 que a Vale afirmou publicamente que existia uma suspeita de corrupção. Numa nota aos acionistas, a mineradora comunicou sobre a decisão do novo governo da Guiné de revogar o direito de exploração de Steinmetz.
De acordo com o comunicado, a Vale adquiriu sua participação na exploração "somente após uma extensiva due diligence realizada por profissionais especializados e com base em declarações e garantias de que a BSGR teria adquirido todos os direitos minerários de forma legal e sem qualquer promessa ou pagamento indevidos ou corruptos".
"A Vale veementemente condena o uso de práticas de corrupção, reitera o seu compromisso com a governança corporativa transparente e está considerando seus direitos legais e opções" , completou.
Naquele mesmo ano, a Vale entrou com processo no Tribunal de Arbitragem Internacional, em Londres. A mineradora venceu o caso em 2019 e o empresário israelense foi obrigado a pagar US$ 2,2 bilhões em indenização. O tribunal apontou que o empresário omitiu informações da Vale ao ingressar na sociedade, entre elas o pagamento de propinas.
O processo, porém, começou a mudar quando o caso passou a ser conduzido pela Warde Advogados, que modificou a defesa do magnata israelense e buscou uma nova estratégia.
Abandono
A mineradora pedia aos tribunais o congelamento e confisco dos bens do ex-parceiro. Mas, nesta segunda-feira, os advogados da Vale informaram ao tribunal que, depois de avaliar a documentação, optaram por deixar o processo.
A defesa da empresa começou a ser colocada em questão quando um documentou surgiu sobre um encontro ainda 12 de abril de 2013, em Paris, e que foi interpretado pelos advogados do magnata como um sinal claro de que a mineradora sabia da corrupção.
O documento seria de Jonathan Kelly, da Cleary Gottlieb e advogado da Vale em Londres. Estava também presente outro advogado da empresa, Jeffrey Lewis. Scott Horton, advogado do Governo da Guiné foi um dos principais nomes na reunião, que ainda contou com Clóvis Torres, atual presidente de Furnas e que, naquele momento, era o diretor jurídico da Vale.
Para completar, o encontro foi acompanhado por Steven Fox, da Veracity Worldwide - uma empresa americana de investigação.
Em 2015, num outro processo nos EUA, a Vale declarou que a empresa destruiu todos os documentos dos executivos envolvidos na aquisição dos direitos de Simandou.
Mas, no documento de 2013, a informação contida revela um detalhamento de um plano sobre como lidar com os dados sobre o caso.
De acordo com os argumentos apresentados pelos advogados de defesa de Steinmetz à corte britânica, ao iniciar o encontro em Paris, Scott Horton abre a reunião dizendo que estava ali para compartilhar dois anos de investigações.
Os advogados da Vale foram alertados que haveria uma restrição no uso das informações e que "não devem ser compartilhadas com clientes sem autorização expressa". "A não ser que diga que pode usar, não pode", aponta a nota, numa referência a uma fala de Horton. Ele ainda orienta: "tomem notas, mas não as coloquem em e-mails".
Há ainda uma menção direta ao diretor da Vale, Clovis Torres. "CT está de acordo em receber a info + não compartilhar com a Vale".
Procurada pela coluna para comentar o documento e seu conteúdo, a empresa brasileira optou por não dar detalhes. Nesta segunda-feira, a mineradora declarou:
"A iniciativa da Vale de requerer o encerramento desse processo específico de fraude contra as pessoas físicas e duas entidades ligadas à BSGR, é de natureza eminentemente processual, seguindo recomendação do escritório Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, responsável pela causa, ligada a uma possível prescrição do pedido contra aqueles réus, considerando uma recente alteração jurisprudencial.
A Vale reforça que continuará adotando os demais procedimentos legais cabíveis na recuperação do crédito de USD $2 bilhões devidos pela BSGR, pela execução da sentença arbitral contra a BSGR.
Outros procedimentos já existentes para essa finalidade seguem em curso.
Importante lembrar que em abril de 2019 foi proferida sentença arbitral favorável à Vale pela LCIA (London Court of International Arbitration), por meio da qual foi reconhecido pelo Tribunal Arbitral que a BSGR, empresa de Beny Steinmetz, havia cometido fraude ao esconder da Vale que a concessão minerária para exploração na região de Simandou, na República da Guiné, havia sido obtida em 2008 por meio de pagamento de propina e corrupção, tendo o Tribunal Arbitral, com isso, condenado a BSGR ao pagamento de USD $2bi por danos decorrentes da fraude. Em janeiro de 2021, Steinmetz e outros dois réus foram inclusive julgados e condenados por um Tribunal Criminal na Suíça por corrupção e falsificação de documentos na concessão de Simandou, sendo-lhe imposta uma pena de 5 anos de prisão."
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