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Ida de Bolsonaro à Rússia aumenta resistência na Otan por acordo com Brasil
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Resumo da notícia
- Governo brasileiro propôs à aliança militar dois acordos estratégicos, mas alguns membros do bloco mostraram hesitação
- Governos da Otan apontam que aproximação militar com russos fortalecerá grupo dentro da Otan que resiste a um acordo com Brasil
- Uma ala da aliança, porém, acredita que trazer o Brasil para o bloco seja forma segura de evitar que o país passe a flertar com os interesses russos
A viagem do presidente Jair Bolsonaro para Moscou poderá ter consequências negativas para a aproximação que o governo brasileiro propõe com a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Informações obtidas com exclusividade pelo UOL revelam que a visita ao Kremlin amplia a resistência que existe entre parte dos governos da aliança militar a um plano de Brasília de estreitar relações.
O presidente brasileiro desembarca nesta terça-feira (15) em Moscou e, na quarta (16), terá um encontro com o presidente russo, Vladimir Putin. Se ucranianos e europeus deixaram já claro que não podem interferir na agenda de um terceiro país, Kiev declarou abertamente que espera que Bolsonaro leve uma "mensagem clara" ao russo de que uma guerra não convém.
Mas enquanto a viagem é considerada como sendo de "alto risco" por diplomatas, ela pode ter um impacto negativo para outros projetos do governo, principalmente no esforço que militares têm feito para alinhar o Brasil à Otan.
A reportagem apurou que o governo Bolsonaro apresentou dois planos de adesão a projetos do maior bloco militar do mundo, numa demonstração explícita de interesse por parte do Ministério da Defesa. Brasília propôs à aliança ocidental, em maio de 2021, um acordo de troca de informações sigilosas e de inteligência. A documentação ficou sem uma resposta formal por parte da Otan, mas fontes em Bruxelas confirmam que o tema está sendo examinado.
O acordo dispõe que os dois lados - Brasil e Otan - trocariam informações sigilosas sobre temas de interesse mútuo. Pelo projeto, cada lado se obrigaria a respeitar as classificações de sigilo do outro. Isso incluiria o compromisso de não vazar ou expor dados, até mesmo sancionando eventuais violações.
Na prática, o Brasil daria informações que julgue ser adequada sobre suas fronteiras, Amazônia, drogas e guerrilhas. Em troca, receberia informações sobre armamentos, sobre ameaças terroristas e mesmo sobre a Rússia. Segundo fontes do governo brasileiro, com essa troca de informações, os dois lados poderiam identificar atividades a serem feitas conjuntamente, como monitorar navios no Atlântico Sul. No auge da crise entre o Brasil e a Venezuela, um dos alertas lançados pelo governo de Bolsonaro se referia à intensificação da cooperação militar entre Moscou e Caracas.
Um segundo acordo foi proposto também em 2021, com a participação do Brasil na "Otan cibernética". A aliança conta com um centro na Estônia para as atividades de ciberdefesa e a proposta brasileira é de que o país, de alguma forma, faça parte dessa iniciativa. De acordo com documentos oficiais vistos pela reportagem, a proposta brasileira já foi tratada em pelo menos duas reuniões da aliança, em Bruxelas.
Procurado pelo UOL em duas ocasiões, o Itamaraty não esclareceu o objetivo das propostas e nem se houve uma resposta por parte da aliança militar.
O governo brasileiro ainda enviou diplomatas para sondar cada um dos países da Otan para pedir apoio ao projeto de aproximação. Fontes na Otan revelaram que, em ambos os projetos de cooperação, membros da aliança - principalmente os europeus - deram sinais de resistência, antes mesmo da viagem de Bolsonaro para Moscou. Um segundo grupo, porém, estima que ter o Brasil ao lado seria uma vantagem, principalmente para consolidar o país dentro de um bloco ocidental e de uma aliança claramente comandada por americanos. "Muitos olham o Brasil pós-Bolsonaro e ter um país dessa dimensão num acordo poderia ser uma forma de ampliar a atuação da aliança", diz.
Agora, uma aproximação do governo Bolsonaro com os russos ou qualquer sinal de um acordo militar e de defesa com o Kremlin poderiam ampliar a distância e fortalecer o grupo dentro da Otan que se opõe a uma aproximação com o Brasil.
Sem uma interlocução positiva com o governo de Joe Biden e sob pressão da administração americana, Bolsonaro estaria disposto a "mandar uma mensagem" de independência de sua gestão. Mas, para membros do próprio governo, uma aproximação exagerada em relação a Putin pode fechar as portas para os planos de militares brasileiros com a Otan
Entre diplomatas, avalia-se ainda que se o objetivo do governo brasileiro é "vender caro" uma aliança e mostrar que tem parceiros em outras partes do mundo, muitos temem que esse comportamento poderia ser um tiro no pé.
Na viagem, para além das reuniões de Bolsonaro, um outro encontro está sendo acompanhado ainda mais de perto pelos generais da Otan. Trata-se da reunião entre os ministros da Defesa, Braga Netto, e das Relações Exteriores, Carlos França, que irão debater uma "cooperação técnico-militar" com o ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, e o ministro da Defesa, Sergei Shoigu.
Fontes no Itamaraty indicam que a estratégia é a de apostar no que está sendo chamado de "diplomacia pendular", fazendo gestos e acenos tanto para americanos como para russos. Mas críticos alertam que, diante da atual tensão internacional, um dos lados poderá reagir de forma negativa e frustrar planos brasileiros.
Já no final do ano passado, após ser informado sobre as tentativas do Brasil de se aproximar à Otan, a diplomacia russa pediu uma reunião com o embaixador do Brasil nos EUA e expressou sua "estranheza" e "preocupação" diante das propostas brasileiras. No meio diplomático, o gesto foi interpretado como um alerta.
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