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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Painel do Clima da ONU: Sem adaptação, mortes em inundações crescerão 130%

17.fev.22 - Vista aérea de um deslizamento de terra no Morro da Oficina após chuvas torrenciais em Petrópolis - RICARDO MORAES/REUTERS
17.fev.22 - Vista aérea de um deslizamento de terra no Morro da Oficina após chuvas torrenciais em Petrópolis Imagem: RICARDO MORAES/REUTERS

Colunista do UOL

20/02/2022 04h00

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Diante de mudanças climáticas nas próximas décadas, as enchentes irão gerar um número cada vez maior de mortes. O alerta será lançado na semana que vem pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). O grupo, ligado à ONU, insistirá sobre a necessidade de que governos ampliem investimentos em adaptação.

O novo documento do IPCC, obtido com exclusividade pelo UOL, está sendo alvo de negociações por parte dos governos desde a semana passada. Mas o rascunho das considerações finais revela que os cientistas apontam para décadas de profundas mudanças no clima do planeta.

O IPCC reúne os principais cientistas do mundo, num esforço de entender e orientar políticas públicas. Em 2007, por suas revelações sobre as mudanças climáticas, o grupo recebeu o prêmio Nobel da Paz.

Enquanto em Petrópolis (RJ) uma vez mais a falta de investimentos e as chuvas revelam a dimensão dos desastres com um elevado número de vítimas, o novo documento deixa claro que esses fenômenos serão mais frequentes e mais intensos, com um maior número de vítimas.

"Sem adaptação, as mortes causadas pelas inundações aumentarão globalmente em cerca de 130% em comparação com 1976-2005 com um aquecimento de 2°C", diz o IPCC, destacando que a previsão é de uma alta taxa de confiabilidade.

Para o IPCC, governos precisam atuar de maneira urgente, ampliando investimentos para adaptar cidades e proteger suas populações. Mas, mesmo assim, algumas previsões apontam que nem mesmo uma ação imediata poderá impedir desastres.

"As medidas de adaptação são projetadas para não serem suficientes para reduzir o impacto das grandes inundações, mesmo em regiões altamente adaptáveis", alerta. Nas regiões do oceano Atlântico, por exemplo, o IPCC insiste que autoridades terão de tomar "decisões transformadoras para a adaptação" das cidades.

Cidades em áreas de desembocaduras de rios, com alta desigualdade e assentamentos informais, como Bangcoc, Jacarta, Nova Orleans, são "altamente vulneráveis e enfrentam altos riscos de enchentes".

Em seu informe, o IPCC deixa claro que o mundo não está preparado para essa nova realidade. "Muitas cidades e assentamentos desenvolveram planos de adaptação, mas um número limitado deles foi implementado", alertou. "Muitos planos se concentram na redução do risco climático, perdendo oportunidades para avançar com os benefícios da mitigação do clima e do desenvolvimento sustentável, e arriscando agravar a desigualdade e reduzir o bem-estar", destaca.

"As maiores lacunas de adaptação existem em projetos que gerenciam riscos complexos, por exemplo, no nexo energia-alimentação-água-saúde ou nas inter-relações qualidade do ar e risco climático", explica.

Há ainda uma falta de conexão entre as inovações desenvolvidas e onde está o financiamento para permitir que essas tecnologias possam ser adotadas.

"A maioria das inovações em adaptação ocorreu por meio de avanços em infraestruturas sociais e ecológicas, incluindo gestão de risco de desastres, redes de segurança social. Entretanto, a maioria dos investimentos financeiros continua a ser direcionada estritamente para projetos de engenharia em larga escala após os eventos climáticos terem causado danos", constata.

Impacto já é realidade

Na avaliação do IPCC, os últimos anos já registraram um impacto real das mudanças climáticas no ciclo das águas e chuvas.

"Condições úmidas ou secas não familiares em comparação com os anos 50 afetaram mais de 600 milhões de pessoas", diz o informe.

"O derretimento acelerado das geleiras, mudanças nas inundações, secas severas, declínio no armazenamento de águas subterrâneas e redução na recarga e deterioração da qualidade da água devido a eventos extremos são consequências da mudança climática", explicam os cientistas.

Desde 2008, 12,8 milhões de pessoas por ano em média têm sido deslocadas por desastres naturais. Tempestades e enchentes são as duas principais causas.

O impacto ainda é sentido nas interrupções no fornecimento e transmissão de energia, fornecimento de alimentos e água, e sistemas de transporte. "Cidades e assentamentos continuaram a crescer a taxas rápidas e continuam sendo cruciais tanto como locais de maior exposição ao risco e vulnerabilidade crescente quanto como locais de ação em relação à mudança climática", afirmam.

Muita água em alguns locais, secas em outros

Outro destaque do IPCC se refere ao fato de que nem todas as regiões do mundo serão afetadas da mesma forma. Se as inundações serão mais frequentes, a insegurança hídrica causada pela escassez e degradação da qualidade da água também aumentará. Isso afetará a subsistência das populações vulneráveis.

"A 3°C de aquecimento, estima-se que 170 milhões de pessoas serão afetadas pela seca extrema", alerta.

"Em cenários extremos, projeta-se que as cidades serão negativamente afetadas pelas secas até 2100 vezes mais do que as secas mais severas do registro histórico. Um aquecimento de 2,7ºC colocaria até 112 milhões de pessoas em estresse hídrico na Mesoamérica, 28 milhões no Brasil e até 31 milhões no resto da América do Sul", constata.

"No sul da Europa, mais de um terço da população estará exposta ao estresse hídrico abaixo de 2°C. Este risco dobrará a uma elevação de 3°C de aquecimento e se expandirá para a Europa Central e Oriental", completa o IPCC. Um dos resultados será a grave perda na produção agrícola em muitas regiões.