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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Com voto do Brasil, ONU aprova criação de inquérito contra Rússia

Plenário do Conselho de Direitos Humanos da ONU ficou esvaziado após a saída de diplomatas e embaixadores - Salvatore Di Nolfi/AFP
Plenário do Conselho de Direitos Humanos da ONU ficou esvaziado após a saída de diplomatas e embaixadores Imagem: Salvatore Di Nolfi/AFP

Colunista do UOL

04/03/2022 07h43

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O Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou nesta sexta-feira a criação de uma comissão de inquérito para investigar a situação na Ucrânia. Depois da resolução na Assembleia Geral da ONU deplorando a invasão russa, a nova decisão amplia a pressão sobre Vladimir Putin.

O Brasil, um dos membros do Conselho de Direitos Humanos, deu seu voto pela proposta, apesar de usar a reunião para criticar o projeto. A comissão foi criada com o apoio total de 32 países. Rússia e Eritreia votaram contra. Já outros 13 países optaram pela abstenção.

O novo mecanismo terá o mandato de apurar, coletar dados e reunir informações sobre eventuais crimes que tenham sido cometidos durante a ofensiva militar. Informes periódicos serão apresentados à comunidade internacional, num esforço para identificar os responsáveis por violações do direito internacional e do direito humanitário.

Comissões dessa natureza são destinadas apenas às crises mais agudas, como no caso da Síria, Afeganistão, Burundi, Coreia do Norte e Venezuela.

Brasil critica resolução e rejeita referência à corte de Haia

Assim como ocorreu na votação de outras resoluções na ONU, o Brasil pediu a palavra para explicar sua postura e teceu críticas importantes sobre o texto aprovado. Nos últimos dias, o padrão de votos do Itamaraty segue a lógica de um equilíbrio. Ainda que o voto seja favorável às propostas das potências ocidentais, o governo usa as ocasiões para criticar a postura de europeus e americanos.

Dentro do Itamaraty, vozes têm criticado a opção do governo brasileiro e apontam que seria mais coerente optar por uma abstenção, se esse é o comportamento.

Historicamente, o Itamaraty adotou uma política de evitar "apontar dedos" aos culpados, na esperança de buscar soluções duradouras para situações de crises humanitárias, violações e conflitos armados. A estratégica é detalhada no livro "Conselho de Direitos Humanos e a atuação do Brasil", do diplomata Murilo Komniski (EDUC, 2017).

Nesta sexta-feira, o governo uma vez mais criticou a resolução, apesar de dar seu apoio. Para o embaixador brasileiro na ONU, Tovar Nunes, o país defenderia um texto "mais equilibrado" e que abrisse espaço para diálogo. Em sua avaliação, o texto mostra falhas.

Na avaliação do governo brasileiro, a criação de uma comissão de inquérito não é o mecanismo adequado para avaliar a situação. Para o Itamaraty, não existe ainda dados confiáveis sobre o que está ocorrendo e o envio de uma missão de apuração seria mais adequado.

Na diplomacia, a missão seria uma etapa mais suave do processo, colocando menos pressão sobre a Rússia.

O governo também se disse "frustrado" com o fato de que terminologias sobre paz e segurança foram mantidas no texto, o que poderia ampliar a politização do Conselho de Direitos Humanos.

O governo Bolsonaro, denunciado no Tribunal Penal Internacional, ainda criticou o fato de que a resolução trazia uma referência à corte em Haia. Segundo o Itamaraty, uma resolução do Conselho que faça referência ao TPI pode ser um precedente "perigoso".

Apesar de todas as críticas, o governo estimou que a ONU e o órgão não poderia se manter em silêncio, e por isso deu seu voto a favor.

Amplo apoio

A delegação da Ucrânia explicou que a meta da comissão é colocar um "fim à crise de direitos humanos". Para o governo sob ataque, Moscou ameaça a todos os países ao violar a Carta da ONU. "Sabemos quem são os criminosos de guerra e quem é o chefe deles", atacou a delegação de Kiev na ONU.

Moscou criticou a resolução, alegando que o texto não faz referências aos ataques por parte dos ucranianos nos últimos anos e nem a ofensiva contra a população do Donbass.

Os russos também criticaram o fato de que a resolução não cita "a inundação de armas" por parte de potências ocidentais na Ucrânia.

"Vocês não têm medo que as armas caiam nas mãos de criminosos? Elas acabaram chegando ao resto da Europa e suas populações não vão te agradecer", alertou.

O governo da China também declarou que não daria seu voto para a resolução, insistindo que ela apenas aprofundaria a crise. Pequim ainda pediu que potências ocidentais deixem de usar direitos humanos como instrumento político.

O governo venezuelano de Nicolas Maduro também criticou a iniciativa, alegando que é a expansão da Otan que tem gerado a crise de segurança internacional.

Mas o apoio à resolução foi ampla entre diferentes continentes. "Só há um agressor. E não é nem a Europa e nem a Ucrânia. Mas sim a Rússia", declarou a delegação da França, que preside a UE. O governo da Alemanha ainda denunciou a "campanha de desinformação" por parte de Moscou.

Diferentes delegações ainda criticaram os ataques de Moscou contra uma central nuclear, alertando que o impacto poderia ser "catastrófico". "Se houve danos, o sofrimento humano será sem precedentes", alertou o governo da Lituânia.

Já o governo americano denunciou "crimes" por parte da Rússia. "Moscou deve ser responsabilizada", declarou a representante da Casa Branca na ONU.