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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Em 1ª derrota de Putin, Haia determina suspensão de invasão na Ucrânia

Vista da Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda - Eva Plevier/Reuters
Vista da Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda Imagem: Eva Plevier/Reuters

Colunista do UOL

16/03/2022 12h33Atualizada em 16/03/2022 14h44

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Na primeira decisão tomada por uma corte sobre a operação militar da Rússia, a Corte Internacional de Justiça em Haia determina que o Kremlin suspenda de forma imediata a invasão da Ucrânia e alerta que não registrou sinais de que um genocídio teria sido cometido contra russos no leste do país, antes dos ataques. Moscou, para justificar sua guerra, alegou que estava agindo para proteger a população de etnia russa no Donbass. O caso foi aberto depois que Kiev recorreu ao órgão judicial máximo da ONU.

Não se trata de uma decisão final. Mas, diante do dano irreparável que a guerra pode gerar, os juízes indicaram que atenderiam ao pedido da Ucrânia para estabelecer medidas provisórias contra a Rússia.

Dos 15 juízes da corte, apenas dois votaram contra a decisão. Trata-se de um russo e de um chinês. Já o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy comemorou, apontando que o veredito é uma "vitória completa" dos argumentos da Ucrânia e que a decisão tem peso de lei.

A primeira derrota de Putin marca, segundo negociadores na ONU, um momento importante para determinar a legalidade da ação militar. As decisões do Tribunal são vinculantes. Mas, criado após a Segunda Guerra Mundial para decidir sobre disputas entre os países da ONU e violações a tratados, o órgão judicial não tem meios executivos para aplicar seus vereditos nos países.

A decisão, portanto, é considerada acima de tudo no meio diplomático como um gesto para ampliar a pressão política sobre o governo de Vladimir Putin. Segundo negociadores, a condenação ainda fortalece a postura de potências ocidentais no esforço de se criar uma aliança internacional contra Moscou.

Na semana passada, a Rússia nem sequer compareceu às audiências da corte, o que abriu o espaço para que juízes e especialistas suspeitem de que Moscou irá simplesmente ignorar a decisão desta quarta-feira.

Ao apresentar sua queixa, o governo de Kiev acusou Moscou de tentar justificar a guerra alegando um suposto genocídio nas regiões de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia. Os ucranianos negam tais crimes e pediram que o tribunal ordenasse à Rússia que "suspendesse imediatamente as operações militares".

"A Rússia deve ser detida, e o tribunal tem um papel a desempenhar", disse na semana passada o representante da Ucrânia, Anton Korynevych.

A Ucrânia insistiu que a Convenção sobre o Genocídio, assinada por Moscou, não permite uma invasão para evitar um genocídio. Além disso, Kiev alegou que não há provas de que a Ucrânia tenha cometido ataques desta natureza.

Para os ucranianos, a Rússia não tem base legal para agir com o objetivo de prevenir e punir qualquer suposto genocídio. Kiev também acusou Putin de "planejar atos de genocídio na Ucrânia" e afirmou que a Rússia "está intencionalmente matando e infligindo sérios danos aos membros da nacionalidade ucraniana".

Ainda que não tenha comparecido às audiências, o governo russo enviou sua defesa por escrito e indicou que o tribunal "não tinha jurisdição" porque o pedido da Ucrânia não se enquadrava na Convenção de Genocídio da ONU de 1948. Moscou ainda alegou que "estava agindo em autodefesa".

Argumentação

Ao ler a decisão, a corte explicou que não iria entrar no mérito sobre a existência ou não de um genocídio, como é alegado pelos russos. Mas explicou que medidas provisórias devem ser tomadas para impedir danos irreparáveis e se existe um risco imediato e emergencial.

Para a corte, portanto, a ação militar russa gera um risco de dano irreparável e medida emergencial era necessária. Apontando o elevado número de mortes, refugiados e da destruição de infraestrutura, os juízes apontaram para a necessidade de que a invasão fosse "imediatamente suspensa".

Segundo eles, é "questionável" se um país pode usar uma ação de violência unilateral num outro território para prevenir um suposto genocídio. Para a corte, a Ucrânia tem o direito a não ser alvo de uma ação militar.

Por unanimidade, a corte ainda determinou que as partes no conflito não escalem a violência.

Enquanto a corte lia a decisão, os lugares reservados para a delegação russa estavam de novo vazios e o Kremlin uma vez mais ignorou o tribunal.

A corte ainda lamentou a decisão da Rússia de não participar das audiências, apontando que a decisão tem um "impacto negativo na administração da Justiça". Ainda assim, o Judiciário decidiu manter o caso e disse que ausência não pode ser um obstáculo.

Negando um pedido da Rússia, os juízes consideraram que a corte tem mandato para lidar com o caso e optaram por manter o processo.
O tribunal afirmou ainda que está ciente da tragédia humana na Ucrânia e indicou estar "profundamente preocupado" com a ação militar russa. De acordo com os juízes, a operação "levanta questões de direito internacional".

Outros processos

Além do Tribunal Internacional de Justiça, a Rússia também enfrenta um processo de investigação no Tribunal Penal Internacional (TPI), também com sede em Haia. Neste caso, uma eventual condenação não seria sobre o estado russo, mas sobre os responsáveis pelos ataques, inclusive Vladimir Putin.

Outro mecanismo criado pela ONU foi a comissão de inquérito dos crimes cometidos pela Rússia na Ucrânia. Neste caso, o processo deve levar até um ano para ser concluído em sua primeira fase.