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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Acordo mundial de patentes de vacinas contra covid exclui Brasil

Quase 3 bilhões de pessoas no mundo ainda não receberam nenhuma dose da vacina contra a covid - Hannah Beier/Reuters - 18.mai.2021
Quase 3 bilhões de pessoas no mundo ainda não receberam nenhuma dose da vacina contra a covid Imagem: Hannah Beier/Reuters - 18.mai.2021

Colunista do UOL

17/03/2022 08h13

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Um entendimento preliminar entre Estados Unidos, Europa, Índia e África do Sul para suspender patentes de vacinas contra a covid-19 e conseguir um maior acesso dos produtos aos países em desenvolvimento ameaça deixar o Brasil de fora.

Em outubro de 2020, indianos e governos africanos propuseram na OMC (Organização Mundial de Comércio) que, diante da pandemia, todas as patentes para bens que poderiam lidar com a crise fossem suspensas. Assim, produtos como diagnósticos, tratamento e vacinas poderiam ser produzidos por qualquer empresa em sua versão genérica, ampliando o abastecimento global e reduzindo preços.

Mas os europeus rejeitaram a proposta e bloquearam por meses a iniciativa, sob a alegação de que a propriedade intelectual não poderia ser violada e que a melhor forma de garantir o acesso aos produtos seria por meio de acordos de transferência de tecnologia.

Inicialmente, os Estados Unidos também bloquearam o acordo, enquanto o Brasil passou a ser o único país em desenvolvimento a rejeitar a suspensão de patentes. O fim do governo Donald Trump modificou a posição americana e levou o Brasil a também ceder. Mas nem assim um acordo foi estabelecido.

Agora, depois de mais de um ano e meio de negociações, os governos indicaram que chegaram a um entendimento inicial.

O rascunho do acordo, porém, não envolve a suspensão de todas as patentes e é limitada apenas às vacinas. Outros critérios exigidos pelos europeus ainda restringem quem pode usar.

De acordo com o entendimento, apenas países em desenvolvimentos poderão suspender patentes dos imunizantes e, mesmo assim, não será autorizado que isso seja feito por países que possam representar mais de 10% do comércio de vacinas do mundo.

Para a entidade Médicos Sem Fronteiras, esse critério exclui na prática o Brasil de ter o direito de eventualmente suspender uma patente e produzir a versão genérica de uma vacina.

A exclusão do Brasil de um eventual acordo pode ser resultado de uma decisão do governo Bolsonaro, em seu primeiro ano no poder. Naquele momento, pressionado por Donald Trump, o Planalto aceitou que abriria mão do status de economia em desenvolvimento em futuros acordos na OMC. O objetivo no Itamaraty comandado por Ernesto Araujo era o de costurar uma aliança com os ultraconservadores americanos. Agora, no novo acordo sobre patentes, se a questão da suspensão for limitada apenas aos países em desenvolvimento, o Brasil não poderia ser beneficiado.

Para ativistas, a proposta nem sequer pode ser chamada de um "acordo de suspensão" de patentes, diante das exigências impostas e que vão tornar o acordo inócuo.

Procurado, o Itamaraty não respondeu ao pedido da coluna para comentar a proposta. Fontes diplomáticas, porém, alertaram que o processo negociador está "longe de um fim".

Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), um entendimento seria fundamental para ampliar a produção e fornecimento de vacinas nos países mais pobres.

Hoje, quase 3 bilhões de pessoas no mundo continuam sem ter recebido nem sequer a primeira dose, enquanto dezenas de países estão distantes da meta de vacinar 70% de suas populações até meados do ano.

De acordo com a OMS, a pandemia apenas será superada em sua fase mais aguda quando a vacina estiver amplamente disponível. Na semana passada, 43 mil pessoas morreram da covid-19 no mundo.