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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Com Macron reeleito, Europa vive dilema sobre acordo com Bolsonaro

O presidente da França, Emmanuel Macron, e Jair Bolsonaro durante o encontro do G20, em Osaka (Japão) - JACQUES WITT/AFP
O presidente da França, Emmanuel Macron, e Jair Bolsonaro durante o encontro do G20, em Osaka (Japão) Imagem: JACQUES WITT/AFP

Colunista do UOL

24/04/2022 15h03

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Com as primeiras estimativas apontando uma definição na eleição na França, a Europa vive um dilema sobre como lidar com Jair Bolsonaro no Brasil. Emmanuel Macron é considerado em Brasília e mesmo em Bruxelas como um dos maiores obstáculos para que Europa e Mercosul possam ratificar o acordo comercial que foi negociado desde 1999. Mas, para observadores, parte de sua resistência tinha uma relação direta com a eleição, disputada neste domingo.

Na busca pelos votos de ecologistas, o presidente francês não poderia ignorar o desmatamento na Amazônia e passou a insistir que, sem um compromisso do governo Bolsonaro neste sentido, não haveria uma ratificação do acordo comercial.

Também de olho no voto dos agricultores - muitos dos quais simpáticos à sua rival Marine Le Pen - Macron não poderia aceitar um acordo com o Brasil que representasse uma maior importação de bens agrícolas do Mercosul e que colocaria em risco seu resultado eleitoral em diversas regiões do país.

O problema que enfrenta a França é que, para a União Europeia, o acordo que Bruxelas fechou com o ex-chanceler Ernesto Araújo é extremamente vantajoso para seus interesses e desequilibrado para o Brasil.

De um lado, o Itamaraty aceitou cotas menores para a exportação de bens agrícolas, inclusive inferiores ao que os próprios europeus já tinham sinalizado no passado. De outro, a abertura dada pelo Brasil de Bolsonaro aos interesses exportadores europeus era considerada como generosa.

Em resumo: os europeus consideram que ganhariam com um acordo com o Mercosul e que tal cenário poderá não se repetir.

Ainda existe uma consideração geopolítica: a Comissão Europeia acredita que se o continente não se apresentar como um parceiro comercial de peso na região, esse espaço será ocupado de forma permanente pela China, que não irá impor condições ambientais ao Brasil para fechar acordos comerciais.

Agora, uma parcela da Comissão Europeia acredita que haveria uma janela de oportunidade para um acordo e que Macron poderia ajustar seu discurso. Com o voto de agricultores e ambientalistas já assegurado, ele poderia atender aos interesses dos industriais europeus, ávidos pelo mercado da América do Sul.

Uma mudança de postura de Macron teria uma influência importante: até meados do ano, ele ocupa a presidência temporária da UE.

O problema é que, depois de três anos recebendo insultos por parte de Bolsonaro e esnobado em visitas oficiais de seus ministros para Brasília, Macron vive um dilema.

De um lado, ele pode dar o sinal verde para o acordo que representaria ganhos comerciais para a Europa. Mas, se optar por esse caminho, recompensaria o presidente brasileiro com um acordo histórico e que poderia até mesmo fortalecer Bolsonaro nas eleições em outubro.

O mal-estar entre Macron e Bolsonaro chegou ao auge em 2021 quando o francês recebeu, no palácio presidencial, o rival de Bolsonaro: Luiz Inácio Lula da Silva. O gesto foi interpretado como um sinal de humilhação e uma resposta aos anos de uma relação tensa entre os dois governos.

Lula retribuiu e, na semana passada, usou as redes sociais para pedir votos pelo presidente da França contra a extrema-direita.

Mas, dentro da Comissão Europeia, há um temor: se Macron esperar um eventual governo Lula assumir no Brasil, a Europa não tem segurança de que não haverá um esforço por parte do eventual novo presidente brasileiro por reabrir a negociação e fechar um acordo que seja mais favorável aos exportadores agrícolas do país sul-americano.

Neste caso, os ganhos que a Europa se gaba de ter obtido com o Brasil seriam em parte desfeitos e poderiam nunca mais voltar a aparecer.

Diplomatas do Mercosul são explícitos: "hoje, ninguém sabe o que vai acontecer e muito dependerá de como Macron irá reagir".