Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Extrema direita global articula uso de Eduardo para abalar eleição em 2026

Eduardo Bolsonaro segue à risca a cartilha da extrema direita ao tentar construir a narrativa de que está sendo perseguido no Brasil e que o país estaria vivendo uma "ditadura". O discurso, segundo articuladores revelaram ao UOL, faz parte de uma estratégia para deslegitimar a eleição brasileira em 2026, com um eventual apoio de Donald Trump e de outras capitais dominadas por populistas.

A ideia é a de construir nos EUA e em outros países governados pelos partidos ultraconservadores a noção de que o processo eleitoral no país estaria contaminado. Membros de grupos ligados ao bolsonarismo fora do país admitem que "abalar" a eleição de 2026 é o principal objetivo da articulação global.

Para a extrema direita mundial - e em especial para membros do governo de Donald Trump - ter o Brasil como um aliado é considerado como um passo estratégico na construção de uma nova ordem internacional.

Ainda que hoje o argentino Javier Milei seja o "queridinho" da Casa Branca na América do Sul, Washington sabe do peso que o movimento ganharia na região e no mundo com uma eventual adesão do Brasil.

A construção dessa nova ordem passaria, acima de tudo, por um compromisso para barrar a China no Hemisfério Ocidental.

Já para o movimento de extrema direita global, contar com um eixo formado por Buenos Aires, Brasília, Washington e Roma pode ser decisivo para impor sua agenda ultraconservadora no Ocidente e o desmonte da ideia de direitos humanos.

Nos últimos dias, não por acaso, a situação criada por Eduardo Bolsonaro foi transformada pelo movimento de extrema direita mundial como uma arma para desestabilizar a região e minar as instituições democráticas, repetindo desinformação e manipulando dados.

A instrumentalização ficou evidenciada quando os movimentos de extrema direita usaram o caso e, nas redes sociais, ampliaram a mobilização em torno do brasileiro.

"As ameaças de prisão - incluindo a apreensão de passaportes - contra o deputado Eduardo Bolsonaro são um sinal claro da perseguição e do assédio que os brasileiros continuam a sofrer nas mãos de Lula da Silva e do juiz de Alexandre de Moraes, uma figura-chave na campanha de repressão", afirmou um comunicado do Foro de Madri, uma aliança de movimentos ultraconservadores. Na Espanha, o bloco é composto por herdeiros do ditador Francisco Franco.

Segundo eles, Bolsonaro deixou a Câmara dos Deputados supostamente para "evitar a detenção ilegal pelo regime".

Continua após a publicidade

Na versão do grupo de extrema direita, "ele decidiu permanecer nos Estados Unidos para continuar seu intenso trabalho de denunciar aos governos, parlamentos e outras instituições democráticas as violações dos direitos humanos e das liberdades constitucionais básicas cometidas pelo regime de Lula da Silva e pelo juiz de Moraes".

Sem provas e sem explicar que existe uma indiciamento contra Jair Bolsonaro por um envolvimento numa tentativa de golpe de estado, o movimento alega que a saída do filho do ex-presidente "confirma a tendência autoritária do governo Lula, resultado de seu medo da perda de apoio popular entre os brasileiros e de suas tentativas de impedir qualquer opção possível para um governo que restauraria a liberdade, a ordem e o respeito aos direitos humanos".

Desde que deixou o Brasil, o filho do ex-presidente brasileiro vem insistindo na tese de que há uma perseguição contra ele e sua família. Em entrevistas, ele repete, sem provas, a suposta transformação do Brasil num regime que não permite a existência da oposição e compara sua situação a dos dissidentes venezuelanos.

O discurso de Eduardo Bolsonaro não é nem novo e nem original. Apoiado por nomes como Steve Bannon e outros ideólogos do grupo antidemocrático, personalidades nos EUA, Reino Unido e em outros países passaram a adotar a estratégia de se apresentar como supostas vítimas na esperança de deslegitimar as instituições.

O próprio Bannon, um aliado da família Bolsonaro, passou a usar o termo de "prisioneiro político" para descrever a situação em que se envolveu nos EUA. Ele ficou preso em 2024 por não atender a um pedido do Congresso americano de prestar depoimento sobre os atos de 6 de janeiro de 2021, com a invasão do Capitólio.

Bannon foi um dos porta-vozes das acusações nunca provadas de fraude nas eleições presidenciais de 2020, uma teoria em que alguns apoiadores de Trump continuam acreditando. Quando foi preso, em 1º de julho, disse que estava "orgulhoso" de cumprir a pena se fosse "o necessário para enfrentar Joe Biden".

Continua após a publicidade

O americano desempenhou um papel importante na campanha de Trump em 2016, que o levou à Presidência, e depois trabalhou na Casa Branca como estrategista-chefe, cargo que deixou após sete meses, supostamente devido a conflitos com outros funcionários.

Bannon foi acusado em 2020 de fraude eletrônica e lavagem de dinheiro por, supostamente, tomar para uso pessoal milhões de dólares concedidos por doadores para a construção de um muro na fronteira com o México, uma das promessas de Trump durante seu mandato (2017-2021). Ele admitiu a fraude.

A cartilha da "perseguição" também foi implementada para os invasores do Capitólio. Vestido como um Viking, Jacob Chansley fez parte da ofensiva contra a democracia americana. Durante a invasão, ele deixou um bilhete com ameaças ao então vice-presidente Mike Pence. Ele seria condenado a 41 meses de prisão.

Agora, em declarações ao jornal The New York Times, insiste que "experimentou a tirania em primeira mão". Segundo ele, o dia 6 de janeiro de 2021 foi "uma armação".

Ele não está sozinho em sua afirmação e o presidente Donald Trump liderou uma ofensiva para dar um novo significado para a data e transformá-la num gesto de resistência. O republicano, durante a campanha eleitoral, chegou a qualificar o 6 de janeiro como "um dia do amor".

Desde 2021, mais de 1.580 réus foram acusados e cerca de 1.270 foram condenados em uma investigação extensa que resultou em mais de 660 sentenças de prisão. Esses julgamentos resultaram em sentenças de até 22 anos de cadeia, como no caso do ex-presidente dos Proud Boys, Enrique Tarro. Cerca de 200 dos réus foram acusados de porte de arma e 153 foram acusados de destruição de propriedade do governo.

Continua após a publicidade

Hoje, todos estão soltos, depois do perdão generalizado por Trump.

Um dos acusados de atacar a polícia com um taco de beisebol e um escudo durante o 6 de janeiro agora anunciou sua candidatura ao Senado dos EUA, pela Flórida.

"ESTAMOS TOMANDO O CAPITÓLIO NOVAMENTE", escreveu Jake Lang, que quer a vaga deixada pelo agora secretário de Estado Marco Rubio em 2026. Ele também se apresenta como um "prisioneiro político".

Durante seu período na prisão de Washington DC, - que ele chama de "DC gulag" - Lang organizou uma milícia, que ganhou o nome de North American Patriot and Liberty Militia, ou Napalm.

No Reino Unido, o slogan de "prisioneiros políticos" passou a ser usado pela extrema direita diante da detenção de dezenas de pessoas por seus envolvimentos nos distúrbios de meados de 2024. Grupos supremacistas brancos passaram a compartilhar os nomes e os endereços das prisões de alguns dos presos e incentivando os apoiadores a escreverem para eles.

Recentemente, o bilionário Elon Musk passou a fazer campanha pela libertação de um ativista britânico de extrema direita que está preso.

Continua após a publicidade

O proprietário do X quer a soltura de Tommy Robinson, preso em outubro passado depois de admitir ter violado uma ordem judicial ao exibir um documentário que continha afirmações difamatórias sobre um estudante refugiado sírio. Robinson é ex-membro do Partido Nacional Britânico e se candidatou, sem sucesso, ao Parlamento Europeu em 2019.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.