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Jamil Chade

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Carta às Nações Unidas: as mentiras de Bolsonaro matam

20.set.22 - O presidente brasileiro Jair Bolsonaro discursa durante a 77ª Assembleia-Geral da ONU, em Nova York - Michael M. Santiago/Getty Images/AFP
20.set.22 - O presidente brasileiro Jair Bolsonaro discursa durante a 77ª Assembleia-Geral da ONU, em Nova York Imagem: Michael M. Santiago/Getty Images/AFP

Colunista do UOL

25/09/2022 04h00Atualizada em 15/08/2023 12h49

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Prezado secretário-geral da ONU, Antônio Guterres,

Consta que o senhor tem o emprego mais difícil do mundo. Afinal, recai sobre seus ombros a tarefa de buscar a paz mundial, a proteção ambiental, a erradicação da pobreza e a saúde do planeta. Tudo isso sem o poder de um chefe de estado.

Mas tenho certeza de que, quando o senhor leu a descrição do emprego ao qual se candidatava há uns anos, jamais imaginou que um dos aspectos seria lidar com Jair Bolsonaro. Sim, aquele mesmo que o deixou esperando nesta semana em Nova York e não apareceu para o encontro que tinha marcado. Aquele que mostrou cloroquina às emas, que negou a crise climática, que usa funerais para fazer campanha eleitoral, que zomba do sofrimento de seus cidadãos, que arma a população, que ataca a imprensa e que diariamente tenta implodir a democracia.

Escrevo esta carta, portanto, para deixar claro que a fraude não está apenas em sua agenda. Pelo quarto ano consecutivo, Bolsonaro usou a tribuna da instituição que representa o sonho de dias melhores como seu palanque eleitoral particular. Uma espécie de cercadinho globalizado.

Pior: ele usou o palco mundial para mentir, calotear e falsear. Mas Bolsonaro não faz isso por acaso. Trata-se de uma estratégia de poder. Ele mente de forma institucional, com uma operação sofisticada de disseminação de desinformação e com recursos públicos.

Ao falar diante do mundo, Bolsonaro arrancou gargalhadas até de diplomatas brasileiros quando mentiu sobre o fato de ter "extirpado a corrupção".

Mentir, no Brasil, mata.

Ele ignorou as quase 700 mil mortes no meu país pela covid-19 e afirmou que "não poupou esforços para combater a pandemia". Ele omitiu o desmatamento recorde e apenas disse que ele era "parte da solução para o meio ambiente". E disse que a economia vai bem, sem citar os 33 milhões de famintos no país.

Diante de um púlpito privilegiado, ele pretendia se apresentar como um visionário. Mas, como diria Friedrich Nietzsche, um visionário mente a si mesmo. Um mentiroso mente aos outros. E Bolsonaro mentiu diante de todos vocês. Sem corar e com tradução simultânea para o árabe, inglês, russo, espanhol, chinês e francês.

Prezado secretário-geral,

Em poucos dias, teremos a eleição mais importante de nossa curta história democrática. Não votaremos apenas para escolher o presidente. Mas para definir quem somos.

Mas, nesse processo, nosso temor é de que a mentira institucionalizada seja transformada em um golpe. Que a impostura abra uma longa noite para o país.

O senhor sabe muito bem o que ocorreu nos EUA. Ao mentir sobre o resultado do pleito, Donald Trump influenciou milhões de pessoas. Mais de um mês depois de encerrado, o processo ainda gerava amplo debate. Em meados de dezembro de 2020, 82% dos apoiadores de Trump diziam que não consideravam Biden como o presidente legítimo.

Mentir mata inclusive a democracia.

Sabemos dos constrangimentos de seu cargo e os protocolos da diplomacia. Mas deixar Bolsonaro defraudar o mundo e os brasileiros sem uma resposta tampouco é uma solução.

Miguel de Unamuno era claro sobre isso: "Em certos momentos, silenciar é mentir". Peço, portanto, que o senhor e os demais líderes não optem por esse silêncio nos próximos dias, quando o país for às urnas.

O que está em jogo é o nosso futuro. E o de vocês também.

Saudações democráticas

Jamil

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