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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Com Lula, Noruega retomará recursos para Amazônia

Amazônia - iStock
Amazônia Imagem: iStock

Colunista do UOL

31/10/2022 06h26

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Poucas horas depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para mais um mandato como presidente, o governo da Noruega anuncia que vai retomar a ajuda financeira ao Brasil para reduzir o desmatamento no país.

De acordo com fontes em Oslo, o governo escandinavo enviará um negociador ou até mesmo uma equipe para tratar com Lula o restabelecimento da cooperação para garantir que as taxas de desmatamento sejam reduzidas.

Para a imprensa norueguesa, o ministro do Clima e Meio Ambiente, Espen Barth Eide, também confirmou a notícia. "Conversaremos com a equipe dele (Lula) para preparar as formalidades e montar uma estrutura de gestão", disse. "Há quantias significativas congeladas em uma conta no Brasil no Fundo Amazônia, que podem ser desembolsadas rapidamente", disse Barth Eide, em entrevista ao NTB.

Os dois países tinham estabelecido o maior fundo de cooperação internacional durante o governo Lula, com mais de US$ 1 bilhão e administrado pelo BNDES e instituições em Oslo. Mas, em 2019, o governo de Jair Bolsonaro colocou novas exigências que acabaram levando a Noruega e a Alemanha a encerrar a transferência de recursos.

"Houve um aumento maciço do desmatamento sob Bolsonaro, o que tem sido muito preocupante. Todo mundo preocupado com o clima viu dolorosamente como ele desrespeitou completamente os antigos acordos e promessas", disse Barth Eide.

No domingo, em seu primeiro discurso após vencer a eleição, Lula fez questão de sinalizar a importância de cortar as taxas de desmatamento, inclusive com uma meta ambiciosa de desmatamento zero.

"Este é um dia importante. É bom para o Brasil, mas também para o mundo inteiro", disse o ministro em Oslo. Barth Eide admite que Lula não terá um governo fácil, diante da situação do Congresso.

A notícia foi comemorada por especialistas. "A cooperação internacional foi fundamental para a construção da política ambiental do Brasil desde os anos 90", disse Carlos Rittl, especialista em política internacional da Rainforest Foundation da Noruega. Segundo ele, esse dinheiro pode ter um papel ainda maior no início do novo governo Lula, já que ele terá o menor orçamento para meio ambiente em décadas e encontrará o Ibama, ICMBio, Funai e outros órgãos "completamente enfraquecidos e com baixíssima capacidade de agir e fazer frente ao crime organizado para quem o Bolsonaro entregou a Amazônia".

"Se Lula apresentar políticas e planos robustos para enfrentar o desmatamento, a violência contra povos indígenas e a crise climática, como prometeu, inclusive no discurso de vitória, pode trazer o apoio de todos os países que esperam do Brasil a liderança ambiental que ele perdeu, ao se tornar um pária durante os anos Bolsonaro", completou.

Se nos últimos quatro anos o governo de Jair Bolsonaro tomou a decisão de se negar a reconhecer o desafio climático e abrir deliberadamente o espaço para o desmatamento, o preço que o Brasil pagou foi alto. Fundos soberanos passaram a suspender investimentos no país. Já nos fóruns internacionais e na opinião pública no exterior, o Brasil passou a ser visto como parte do problema climático do planeta. Uma espécie de "criminoso ambiental".

Como resultado da ruptura de confiança no Brasil sobre a questão do desmatamento, o país hoje está sob a ameaça de ver suas exportações serem alvo de impostos extras na Europa.

Qualquer nova inserção internacional do Brasil, portanto, passará por uma revisão profunda dessa relação com o meio ambiente e assessores do novo governo sabem disso. Mas apenas adotar um novo discurso não será suficiente. O mundo vai cobrar do novo governo, a cada mês, resultados concretos para a redução do desmatamento.

Ciente dessa pressão, Lula costura um "tratamento de choque" internacional. De um lado, quer criar uma aliança com outros países emergentes para a defesa das florestas, com recursos dos países ricos e uma ampla cooperação internacional. Sua equipe também planeja sediar no Brasil uma conferência sobre o clima. Uma possibilidade poderia ser levar ao país a COP30 (Conferência da ONU sobre o Clima), em 2025.

Lula, de fato, usou seu primeiro discurso para deixar claro que a questão ambiental está entre suas prioridades. "O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a floresta Amazônica", disse.

"Em nosso governo, fomos capazes de reduzir em 80% o desmatamento da Amazônia, diminuindo de forma considerável a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia. O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva", declarou.

Segundo fontes próximas ao presidente eleito, um caminho ainda pode passar por uma nova relação de integração regional. Ao contrário do modelo do final do século 20, o novo processo de aproximação ao restante dos vizinhos não irá se pautar apenas nas questões comerciais, mas também climáticas.

O tema de meio ambiente pode ainda ser usado como o instrumento de uma nova liderança do Brasil entre os emergentes, incluindo africanos e asiáticos. Se há 20 anos foi a questão do acesso aos remédios e o comércio agrícola que catapultou o país ao protagonismo internacional, a avaliação é de que, hoje, esse veículo é o clima.

Para a ONU, o que vem sendo feito pelas grandes economias do mundo não é suficiente para se evitar uma catástrofe climática.