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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Brasil de Bolsonaro foi ameaça sanitária global e minou OMS, conclui raio-x

Bolsonaro corre atrás de uma ema com uma caixa de cloroquina. A defesa de remédio infeficaz contra a covid-19 lhe rendeu acusações de charlatanismo - REUTERS/Adriano Machado
Bolsonaro corre atrás de uma ema com uma caixa de cloroquina. A defesa de remédio infeficaz contra a covid-19 lhe rendeu acusações de charlatanismo Imagem: REUTERS/Adriano Machado

Colunista do UOL

17/02/2023 00h36

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A gestão da política externa de Jair Bolsonaro durante a pandemia foi marcada por um negacionismo e a tentativa de enfraquecer organismos internacionais que poderiam agir contra a covid-19.

O alerta faz parte do informe preparado pelo grupo de trabalho que atuou na transição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em temas relacionados com política externa. O documento produzido pelo grupo estava sendo mantido em sigilo e, nesta quinta-feira, foi publicado.

"Durante a pandemia de covid-19, o governo Bolsonaro negou sua gravidade e questionou sistematicamente a capacidade da Organização Mundial da Saúde como coordenadora dos esforços multilaterais de contenção da crise sanitária", disse a avaliação.

"Ao hostilizar ostensivamente a China, criou constrangimentos desnecessários com nosso principal parceiro comercial e país produtor de produtos hospitalares essenciais, vacinas e seus insumos básicos", afirmou. "Ao deixar de apoiar a proposta de Índia e África do Sul pela suspensão de patentes para a produção de medicamentos essenciais no combate à covid-19, o Brasil abandonou sua posição tradicional em favor do acesso a medicamentos, em prejuízo dos interesses de nossa própria população", insistiu.

Outra conclusão tem relação com a compra de vacinas. "O governo Bolsonaro optou por não adquirir tempestivamente vacinas suficientes para efetuar campanha massiva de imunização e apostou na obtenção de hidroxicloroquina, sem respaldo científico", lamentou.

"A ausência de estratégia organizada e centralizada deixou os entes da federação abandonados à própria sorte. Sem coordenação federal, prefeitos e governadores se viram forçados a buscar diretamente fornecedores externos, em contexto de extrema competição por insumos, para manter o suprimento regular de material de saúde junto a estados e municípios. O Brasil tornou-se uma ameaça sanitária global e quase 700 mil vidas foram perdidas, das quais se estima que 400 mil poderiam ter sido poupadas", disse o documento.

O grupo concluiu que o Brasil, tradicionalmente considerado ator relevante em fóruns multilaterais de saúde, "precisa atualizar sua atuação diplomática, de modo a responder às necessidades de país que garantiu, em nível constitucional, o Sistema Universal de Saúde".

A atuação em mais alto nível do Itamaraty em relação à pandemia, especialmente na gestão do ministro Ernesto Araújo, foi fartamente documentada no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia do Senado Federal.

Mas elas incluem acima de tudo:

Iniciativas não baseadas em evidências cientificas, como as relacionadas à falta de prioridade para a compra de vacinas, à promoção de medicamentos sem eficácia, inclusive por meio de seminários da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), e à atuação na OMC em temas de propriedade intelectual, afastada dos pleitos de países em desenvolvimento, são exemplos de como o país abdicou de histórico protagonismo em defesa da saúde pública em foros multilaterais e em suas relações bilaterais.

A proposta era de que o Brasil retornasse em sua tradição de atuar, de forma ativa, com base em evidências científicas, para o "reforço de arquitetura global da saúde que promova a prevenção, preparação e resposta a pandemias e o correspondente fortalecimento dos sistemas de saúde, assim como no que diz respeito aos determinantes sociais da saúde e suas consequências na equidade no acesso à saúde".

O grupo ainda pede que a volta da atuação brasileira na promoção da ciência, tecnologia e inovação.

Entre as ações propostas para o governo Lula, o grupo pedia ações emergenciais para os primeiros 30 dias, mas também uma revisão fundamental da política externa nos cem primeiros dias de governo.

Elas incluíam:

  • - Reforçar iniciativas de cooperação internacional na área de saúde, sejam elas nas vertentes sul-sul e/ou triangulares, inclusive as desenvolvidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
  • - Ampliar projetos de cooperação com países do sul global, nos continentes africano e asiático e em âmbito regional.
  • - Aproveitar as recentes eleições de brasileiros para a direção da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para estimular a promoção de agendas de saúde pública, em prol de todos os países do continente.
  • Reassumir a liderança em foros multilaterais de saúde, com a recuperação de sua legitimidade e credibilidade.
  • . Retomar o protagonismo brasileiro como articulador de atores do Sul Global, inclusive da sociedade civil, para reforçar suas posições tradicionais em negociações multilaterais em curso, como as do "tratado de pandemias" e no Grupo de Trabalho sobre as Emendas ao Regulamento Sanitário Internacional (RSI).
  • - Reforçar a estrutura do MRE na área de Diplomacia da Saúde para dar reposta adequada às discussões do sistema ONU/OPAS e de organizações do ecossistema de saúde global, como Unitaid e Gavi, e em outras agendas emergentes que envolvam discussões de saúde global (G20, Unasul, Mercosul, etc).
  • - Aliar as discussões em foros econômicos (G20, OCDE, Banco Mundial) com as preocupações de saúde pública, com coordenação de posições entre as áreas do Itamaraty e os diversos órgãos do governo federal.