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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Após censurar "gênero" sob Bolsonaro, Itamaraty agora cria cargo para tema

Perguntas serão entregues aos 47 membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU - Xinhua/Xu Jinquan
Perguntas serão entregues aos 47 membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU Imagem: Xinhua/Xu Jinquan

Colunista do UOL

08/03/2023 14h05

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O Itamaraty anunciou nesta quarta-feira que passará a ter uma Alta Representante para Temas de Gênero, em mais um capítulo da decisão de se distanciar do posicionamento que havia sido adotado pelo governo de Jair Bolsonaro no cenário internacional em temas relacionados com o direito das mulheres.

O cargo será exercido por Vanessa Dolce de Faria, ministra da carreira diplomática e atual Cônsul-Geral Adjunta do Brasil em Barcelona.

Como Alta Representante, ela "participará de reuniões internacionais sobre os temas de gênero e atuará em articulação com outros ministérios para o avanço da pauta".

"Ao instituir o cargo de Alta Representante, o Itamaraty reafirma a prioridade conferida à promoção da igualdade de gênero", afirmou uma nota do governo.

O anúncio ocorre depois que a cúpula do Itamaraty foi criticada até mesmo dentro da chancelaria por não ter ampliado o quadro de mulheres em postos de chefia.

Durante os anos de Jair Bolsonaro, o Itamaraty passou a atuar ao lado da então ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, para se alinhar com alguns dos governos mais reacionários em termos de direitos das mulheres.

Ainda no primeiro ano de governo, o Itamaraty fez um anúncio nos organismos internacionais de que procuraria mudar os textos que citavam "igualdade de gênero", substituindo por "igualdade entre homem e mulher". Na visão daquela administração, gênero seria uma "construção" e a opção do governo seria por uma definição biológica.

Em diversas reuniões, embaixadores brasileiros eram obrigados a levantar a mão, pedir a palavra e sugerir a mudanças de textos internacionais que citassem "gênero".

O projeto foi um grande fracasso e, meses depois, os diplomatas brasileiros receberam instruções para apenas fazer tal manobra quando houvesse espaço.

Mas nos bastidores, já naquele ano, o governo começou a trabalhar com outras administrações de extrema direita para criar alianças para impedir qualquer referência em documentos internacional de temas como "acesso à saúde sexual e direitos reprodutivos".

Meses depois, Bolsonaro e Donald Trump formalizariam a ofensiva ultraconservadora com a criação de uma aliança, a Declaração de Genebra. Se oficialmente o bloco de cerca de 30 países tinha como objetivo lutar contra o aborto, a aliança acabou funcionando como um guarda-chuva para iniciativas da extrema direita mundial em temas como família, mulher e gênero.

Ao vencer a eleição nos EUA em 2021, Joe Biden retirou os americanos do bloco. Neste ano, como uma de suas primeiras medidas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também rompeu com a aliança.

Agora, a nomeação de uma representante para temas de gênero vai no sentido de reposicionar o Brasil no debate e tentar dar protagonismo ao país nessas negociações.

Quem é a diplomata

Vanessa Dolce de Faria ingressou no Instituto Rio Branco em 1999. Diplomata de carreira, foi chefe da Divisão de África Austral e Lusófona do Itamaraty (2016-2019), assessora na Assessoria Especial da Presidenta da República (2015-2016), chefe de gabinete da Secretaria-Geral da Presidência da República (2013-2015) e chefe de gabinete da Secretaria-Executiva do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (2004-2005). No exterior, serviu nas embaixadas do Brasil em Assunção (2009-2012) e Buenos Aires (2005-2009).

A diplomata ainda publicou o livro "Política externa e participação social: trajetória e perspectivas". Sobre gênero e diplomacia, é co-autora dos artigos "Mulheres na Diplomacia Brasileira" e "Uma Política Externa Feminista para o Brasil: desafios e possibilidade".