Topo

Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Ministro acusa Bolsonaro de cultuar torturador, e quer normalização com ONU

O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida - CARLOS ELIAS JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida Imagem: CARLOS ELIAS JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

19/04/2023 05h26

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido


Num esforço para normalizar a relação do estado brasileiro com os órgãos da ONU, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva faz uma ofensiva para mostrar que está disposto a ouvir as recomendações da entidade e retomar o processo de verdade, memória e justiça, diante dos abusos do estado brasileiro. O governo ainda mandou um recado claro aos peritos do órgão internacional com o objetivo de deslegitimar o informe que Jair Bolsonaro havia submetido para a ONU, em 2020, sobre a situação da tortura no país.

Num discurso diante do Comitê contra a Tortura da ONU, nesta quarta-feira, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, alertou que o Brasil acaba de concluir uma gestão de um presidente que cultuava torturadores e qualquer abuso de poder. Em sua fala, o chefe da pasta ainda admite que a Constituição de 1988 não significa a conclusão do processo de redemocratização do país.

Conforme o UOL revelou com exclusividade na segunda-feira, o órgão da ONU realiza hoje e amanhã uma sabatina sobre a situação da tortura no Brasil. O evento será usado por peritos e atividades de direitos humanos para denunciar Bolsonaro pelo desmonte dos mecanismos de controle contra a tortura no país.

Mas, para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o objetivo é o de superar os atritos dos últimos anos com os órgãos internacionais e normalizar a relação com a ONU.

O governo Bolsonaro chegou a apresentar para as Nações Unidas sua versão dos fatos. Mas o informe apenas traz dados até 2018, omitindo as ações do ex-presidente.

Silvio Almeida, agora, adotou um tom de que o novo governo assume com o propósito de "reconstrução da política de direitos humanos".

"Nos últimos anos, tivemos à frente da condução do país um presidente da república que cultuava torturadores e incentivava toda sorte de abusos do poder público, particularmente daqueles que detém o monopólio do uso da força, contra a própria população", afirmou.

"Estamos inaugurando um novo capítulo da história nacional e, como primeiro passo para curar nossas feridas, é necessário reconhecer os desafios diante de nós", afirmou.

Informe com omissões

Parte do discurso foi ainda o de deslegitimar os dados que o próprio estado brasileiro apresentou. "O relatório que foi entregue aos senhores no governo anterior, infelizmente, não reflete de maneira honesta a realidade da prática da tortura em nosso país", admitiu Silvio Almeida. Para ele, existe uma "violência institucional no Brasil, particularmente contra a população negra e periférica". Ela é "fruto de uma longa trajetória de sucessivas violações, que remontam ao empreendimento colonial e à desumanização dos escravizados em nosso país".

"Não custa recordar que o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão. Ainda hoje, a população negra, que constitui mais da metade de nossa população, é a principal vítima da violência policial, das execuções sumárias, do superencarceramento e da tortura", afirmou.

Segundo ele, foi a naturalização da violência no Brasil que também possibilitou a instalação de "uma ditadura militar no país, que, por 20 anos, perseguiu, torturou e matou dissidentes políticos, campesinos, indígenas e todos que fossem rotulados como inimigos do regime".

"A luta por verdade, memória e justiça - tão vilipendiada nos últimos anos pelo governo anterior - ainda está longe de ser concluída no Brasil", disse.

Silvio Almeida, assim, apresentou medidas que estão sendo tomadas:

  • Revisar a composição da Comissão de Anistia
  • Restabelecer a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecido,
  • Comprometidos com o acompanhamento das conclusões da Comissão Nacional da Verdade, que finalizou seu relatório em 2014.

"Entre os últimos dias 27 de março e 2 de abril, realizamos no Brasil a "Semana do Nunca Mais", em (des)comemoração ao Golpe de 1964. Tive a oportunidade de receber mais de 150 familiares de pessoas mortas e desaparecidas e diversos anistiados políticos. A dor de ter perdido um ente querido no contexto de sessões sistemáticas de tortura é inominável", disse o ministro.

Redemocratização não está concluída

Num discurso radicalmente diferente ao que era adotado por Bolsonaro, Silvio Almeida insiste que a "tão esperada redemocratização do nosso país infelizmente não foi concluída com a promulgação da Constituição de 1988".

Um exemplo seria o sistema prisional brasileiro. Segundo ele, o que existe é um sistema que "tem como alvo preferencial a população pobre e negra do país - deve ser profundamente revisto e, sobretudo, humanizado".

"No Ministério dos Direitos Humanos e daCidadania, temos envidado esforços para o estabelecimento do chamado "Projeto Mandela", com o objetivo de avançarmos no enfrentamento às sistemáticas violações de direitos humanos no sistema prisional brasileiro", afirmou.

"O Projeto visa à atuação interministerial e intersetorial de promoção dos direitos humanos em defesa dos direitos da população em situação de privação de liberdade, particularmente no que se refere ao devido processo legal, ao enfrentamento à tortura e à promoção de políticas de desencarceramento, com base em previsões normativas de âmbito nacional e internacional, dentre as quais a Constituição Federal, a Lei de Execução Penal, a Convenção Americana de Direitos Humanos e as Regras de Mandela das Nações Unidas", explicou.

O ministro ainda indicou que outro tema que preocupa são as crianças e adolescentes em situação de privação de liberdade.

"A sociedade brasileira não pode simplesmente "desistir" desses jovens e condená-los à estigmatização e à falta de perspectivas", alertou.