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Jamil Chade

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O histórico pedido de desculpas pelo Brasil numa Corte internacional

Detalhe de brasão antigo da República sem limpeza no Palácio Rio Negro - Ricardo Borges/UOL
Detalhe de brasão antigo da República sem limpeza no Palácio Rio Negro Imagem: Ricardo Borges/UOL

Colunista do UOL

28/04/2023 07h29

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O estado brasileiro tomou uma iniciativa histórica. Nesta semana, diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos em Santiago (Chile), o Brasil reconheceu sua responsabilidade internacional e realizou pedido formal de desculpas às comunidades quilombolas de Alcântara por violações de direitos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

O processo diz respeito à situação de direitos humanos de 152 comunidades remanescentes de quilombos, em Alcântara, no Maranhão, no contexto da instalação do Centro de Lançamento de Alcântara, na década de 1980.

Pedir desculpas não é suficiente e nem um substituto à justiça. A Corte continuará seu trabalho e, se tiver evidências suficientes de um crime, precisa condenar o estado brasileiro.

Mas pedidos oficiais de desculpas fazem parte da construção da democracia, de um sentimento compartilhado de destino e do reconhecimento de que os crimes do passado tentarão ser evitados no futuro. Será que o passado fica mesmo no passado?

Ao longo da história, vimos como atos corajosos - e alguns oportunistas - em diversos países conduziram as sociedades a restabelecer o diálogo. Abriram espaço para uma nova relação e para que os herdeiros dos chicotes e suas vítimas possam inaugurar um novo capítulo em suas histórias.

Em 2004, o governo alemão pediu perdão pelo genocídio na Namíbia. Dois anos antes, o governo belga pediu desculpas pelo assassinato de Lumumba. Obama visitou Hiroshima, depois dos crimes de guerra perpetrado pelos americanos e jamais reconhecidos por nenhum tribunal. Em 2008, o Congresso americano pediu desculpas por 246 anos de escravidão institucionalizada. Em 2022, o governo da Holanda pediu desculpas por seu papel pela escravidão e o qualificou como crimes contra a humanidade.

Muitos especialistas apontam que, no século 21, o mundo entrou em uma "era do pedido de desculpas". De fato, são cerca de 50 por ano, incluindo instituições, governos e igrejas.

Também aprendemos que o pedido de perdão não precisa esperar por uma postura oficial do estado. Na Austrália, uma parcela da população decidiu assinar livros com pedidos de desculpas pela forma pela qual os aborígenes foram tratados. O mesmo fez uma parcela dos sul-africanos diante das conclusões de Desmond Tutu sobre o Apartheid.

Edward Said, de fato, já alertava que a mais poderosa desconstrução do colonizado passava pela repressão sobre como relatar a história. "O poder de narrar, ou bloquear outras narrativas de serem formadas, é muito importante para a cultura e para o imperialismo", escreveu.

Desconstruir isso, portanto, é fundamental. E, neste caso, o papel do estado é central para inaugurar uma nova etapa.

Pode ser apenas mais uma jogada política, doméstica ou internacional, para reduzir algum tipo de pressão? Certamente. Há quem diga que a correria dos europeus por reconhecer os crimes na escravidão e invasão do continente africano servem para reduzir a pressão sobre eventuais compensações.

Por isso mesmo, o perdão não pode ser o fim da história. Ele é o começo.

A atitude do estado brasileiro em Santiago, nesta semana, é digno de entrar nos livros da história contemporânea do país, nos anais da construção dos direitos humanos e da democracia.

Falar de algo que ocorreu há décadas ou há séculos jamais é falar do passado. Na capital chilena, nesta semana, um tijolo do futuro do país foi colocado.

Um pedido oficial de perdão por parte do estado precisa também sinalizar a vontade de escutar a milhões de vozes que jamais foram ouvidas ao longo da história e do presente do país.

Vozes que jamais tiveram a oportunidade de se expressar, salvo pelos gritos da dor. Aqueles que jamais tiveram cidadania, direitos, sonhos e nem nome.

Séculos de opressão têm um impacto sobre cada um de nós hoje. Pedir perdão faz parte do esforço de poder olhar para o futuro juntos.

Que os ventos de Santiago tragam inspiração, reparação, justiça e ação.

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