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ONU alerta para risco de genocídio e alta de violações na gestão Bolsonaro
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A sub-secretária-geral da ONU, Alice Wairimu Nderitu, destacou que existem fatores de risco para o genocídio no Brasil e que os ataques contra indígenas e negros se aceleraram sob o governo de Jair Bolsonaro. Ela, que ainda é a assessora especial da ONU para a prevenção do genocídio, concluiu nesta sexta-feira a primeira missão ao Brasil de seu mandato, depois que o ex-presidente tentou dificultar sua visita.
Suas conclusões reforçam a tese de grupos indígenas e defensores de direitos humanos, que buscam um reconhecimento pelos crimes cometidos contra seus povos. O convite do governo Luiz Inácio Lula da Silva também teve como objetivo aumentar a pressão sobre os responsáveis pelo desmonte da política de direitos humanos nos últimos anos.
Apesar de reconhecer que as violações aumentaram nos últimos anos, a representante da ONU insistiu que os problemas são estruturais e que o racismo está "enraizado" na sociedade brasileira. Nderitu esteve nos territórios do povo yanomami, em terras indígenas em Mato Grosso do Sul e na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.
A representante deixou claro que seu mandato não para determinar se uma política específica deve ser classificada como crime de genocídio. Mas explicou que sua função é a de alertar sobre a existência ou não de fatores de risco.
E, no caso do Brasil, suas conclusões foram claras:
"Analisando os fatores de risco de genocídio e crimes de atrocidade em relação à situação dos povos indígenas, dos brasileiros afrodescendentes e de outros grupos de risco no Brasil, observo com preocupação que há um registro de graves violações das leis internacionais de direitos humanos contra esses grupos", disse.
Entre os fatores de risco estão:
- A situações de instabilidade, especialmente no que se refere ao conflito entre a população indígena e os fazendeiros;
- Uso excessivo da força pelos órgãos de segurança, especialmente contra a população negra;
- Tensões intergrupais entre as comunidades indígenas e outros grupos;
- Várias políticas que facilitaram a discriminação e o abuso desses grupos protegidos com base na identidade.
"A presença desses fatores de risco para crimes de atrocidade exige medidas urgentes das autoridades, da sociedade civil, da mídia, das Nações Unidas e de outros atores relevantes para corrigir a trajetória", disse.
Yanomami
Um dos pontos centrais da viagem foi a missão ao Norte do país e eis o relato da representante da ONU:
"Recebi relatos e testemunhos muito preocupantes de abusos e violações cometidos contra os povos indígenas Yanomami. De acordo com a
a constituição brasileira, os territórios indígenas e, nesse caso, o território Yanomami, são protegidos da mineração. No entanto, o garimpo ilegal nesse território tem afetado a população levando a violações e abusos generalizados contra os Yanomami. Seus direitos de acesso e ao uso da terra, à saúde e à educação foram afetados de forma adversa e negativa.
A invasão do território Yanomami para fins de mineração resultou em assassinatos, incluindo assassinato de seus líderes e defensores dos direitos humanos e do meio ambiente, mercúrio contaminação das águas e da terra por mercúrio, com grave impacto sobre a saúde, disseminação da malária e de outras doenças, e agravamento da situação dos Yanomami, e outras doenças, além do agravamento da desnutrição, especialmente entre as crianças.
Nesse contexto, eu também recebi relatos de estupros de mulheres e meninas, além de outras formas de violência baseada em gênero. violência de gênero", completou.
Segundo ela, a vida dos Yanomami depende da floresta onde vivem, dos rios e da biodiversidade. "A destruição das florestas para fins de mineração impôs condições muito severas a essa população, o que pode constituir um ataque aos Yanomami", insistiu.
"Testemunhei a execução da população yanomami, que passou por várias violações por décadas", disse a representante. Ela aponta que o atual governo começou a dar assistência, mas alerta que a situação "continua muito vulnerável".
A representante evitou entrar em detalhes sobre o governo de Jair Bolsonaro. Mas admitiu que a crise ganhou força nos últimos anos. "Eu sei que no último governo algumas políticas foram aceleradas e que ficou ainda mais precária a situação das populações mais vulneráveis", disse.
Ela, porém, fez um apelo para que a situação não seja tratada apenas como um problema de um mandato. "Não estou dizendo que não devem ser vistas (as medidas do ex-presidente)", disse. Mas ela pede que as questões estruturais sejam examinadas e lembrou que o racismo no Brasil tem séculos.
"Não vamos perder a perspectiva estrutural", defendeu. "Os problemas estão profundamente enraizados", disse.
Guarani-Kaiowá
Outro destaque da representante da ONU é a situação do povo Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul. "Fiquei chocada com a extrema pobreza dessa população", disse, destacando ainda a situação de tensão com fazendeiros. Para ela, esse pode ser um dos casos mais emblemáticos de violações contra humanidade.
A representante ainda informou que recebeu detalhes sobre a humilhação contra essa população e chamou de "desumano" o tratamento recebido por algumas das famílias.
Nderito apontou ainda para a necessidade de que terras sejam demarcadas e denunciou o impacto de pesticidas, os assassinatos de líderes da comunidade, a impunidade diante dos ataques e a ausência de educação.
Funai enfraquecida
A representante da ONU usou a conferência de imprensa para alertar sobre a limitação da capacidade de atuação das Funai e deixou claro que a política deliberada de ataques foi ainda acompanhada por um discurso do ódio promovido inclusive por líderes políticos.
"O corte de recursos da Fundação para os Povos Indígenas (Funai) nos últimos anos limitou e, em e, em alguns casos, prejudicou a habilidade e a capacidade da Fundação de fornecer serviços e proteção aos povos indígenas. Essa política deliberada de negar proteção por meios administrativos não é apenas discriminatória, mas uma violação dos direitos humanos universais dos povos indígenas".
Fatores de risco de Genocídio
Nderitu insistiu que não viajou ao Brasil para caracterizar os crimes e nem para dizer se o genocídio ocorreu. "Apenas tribunais nacionais ou internacionais podem determinar isso", explicou. Ela, porém, deixou claro que seu mandato é para prevenir que isso ocorra e listou uma série de riscos identificados no Brasil.
Na avaliação da representante da ONU, há uma preocupação de que houve violações do direito humanitário internacional, o uso excessivo de força, principalmente contra negros e politicas que ajudam a discriminação.
Para ela, o estado precisa agir de forma urgente para corrigir trajetória e destaca que o Brasil tem a obrigação de fazer justiça, já que assinou a Convenção contra o Genocídio.
População negra
No Rio de Janeiro, ela denunciou o uso excessivo da força por parte de agentes da polícia e se reuniu com comunidades negras que sofram "ações criminosas que violaram esses grupos e a dignidade humana".
Nderitu contou como viu a dor nos rostos das mães de jovens mortos nas periferias das grandes cidades e como, apesar de a população negra representar mais da metade do Brasil, há um problema de acesso ao emprego e educação.
Denunciando ainda a impunidade, a representante da ONU ainda foi informada sobre como negros são atacados pela polícia, sob o argumento de que estão lutando contra a criminalidade. "Um deles me disse que, do estado, apenas conhece balas, e não políticas públicas", disse.
Para completar, ela ainda alertou para o "fracasso do estado" em garantir direitos sexuais de meninas afrobrasileiras, que seriam vistas como "futuras mães de criminosos".
Medidas propostas ao Brasil pela ONU
- O governo deve garantir que as novas medidas de apoio aos povos indígenas, especialmente no território Yanomami, sejam aprimoradas, contínuas e sustentáveis.
- Além de retirar os garimpeiros do território indígena Yanomami, é fundamental que o governo, com o apoio de outros atores, trate dos problemas dos jovens, especialmente nos grupos protegidos. O Brasil não pode se dar ao luxo de continuar perdendo seus jovens por suicídio, violência, saúde mental e exploração, inclusive sexual.
- O discurso de ódio pode levar à discriminação, ao ódio, à violência e, em seu extremo, a crimes atrozes e deve ser tratado de acordo com os direitos humanos internacionais. Isso se aplica especialmente ao discurso de ódio dirigido contra os grupos protegidos que mencionei e outras populações que estão em risco, por exemplo, defensores dos direitos humanos, líderes comunitários, mulheres, entre outros. Meu escritório está pronto para fornecer apoio técnico ao governo, à equipe nacional da ONU e a outros atores relevantes no Brasil nessa área.
- O governo deve examinar as atuais políticas de combate ao crime (drogas), que têm afetado fortemente a população negra. O governo deve investigar vigorosamente todos os incidentes de assassinato e execuções extrajudiciais. Por exemplo, as mortes nas mãos da polícia classificadas como "atos de resistência à prisão" devem ser totalmente investigadas por órgãos independentes.
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