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Jamil Chade

REPORTAGEM

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SUS não pode ficar à mercê da indústria internacional, diz chefe da Fiocruz

Mário Moreira, novo presidente da Fiocruz - Divulgação/Fiocruz
Mário Moreira, novo presidente da Fiocruz Imagem: Divulgação/Fiocruz

Colunista do UOL

23/05/2023 05h20

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O novo presidente da Fiocruz, Mario Moreira, não esconde: sua ambição com uma das principais instituições científicas do Brasil é de impedir que o sistema de saúde no país permaneça dependente da produção das grandes empresas farmacêuticas do mundo.

Eleito para o cargo e nomeado em abril, o novo chefe da Fundação Oswaldo Cruz está em Genebra nesta semana para participar da Assembleia Mundial da Saúde.

Em sua primeira entrevista no cargo, Moreira explicou ao UOL qual será seu projeto na liderança da entidade e seus desafios. A retomada de investimentos, paralisados nos últimos anos, e a internacionalização da instituição são algumas das metas.

Para ele, é isso que vai garantir acesso à saúde para a população.

Se depender da indústria internacional, não vamos garantir acesso, alertou.

A estratégia da instituição vai em dois sentidos, na esperança de superar essa realidade. Uma delas é a de adensar sua carteira de produtos, com tecnologia própria e tecnologia estrangeira. A segunda é aumentar a capacidade industrial.

Segundo Moreira, a Fiocruz "tem feito esforço para o desenvolvimento do complexo industrial da saúde". "Houve uma descontinuidade nos últimos anos. Mas agora retoma com força. Temos um parque industrial de médio porte, em comparação às grandes empresas. Mas em processo de crescimento. Uma planta está em construção no Rio de Janeiro e que irá multiplicar por seis nossa capacidade de produção de vacina. Isso é um marco", disse.

De acordo com os planos, o primeiro prédio começa a funcionar em 2025 e a obra será completada em 2027. Já foram investidos R$ 1,2 bilhão e faltam R$ 5,4 bilhões, que estão sendo captados no mercado. "Estamos nessa trajetória, da autossuficiência", disse.

Segundo ele, a queda nos investimentos em ciência e tecnologia no Brasil nos últimos anos precisa ser revertida. "Numa instituição como a Fiocruz, o risco de obsolescência é altíssimo", disse.

Outro desafio é o envelhecimento de suas estruturas. "Com seis anos sem investimentos, isso está cobrando o preço", lamentou. Moreira conta que está em conversas com as pastas de Saúde e da Fazenda, justamente para que haja espaço para a volta dos investimentos.

No final de 2021, a Fiocruz pediu para repor suas vagas de servidores aposentados, que seriam de 1,2 mil vagas. Um ano depois, a entidade foi avisada que teria 10% dessas vagas. "É preciso fazer concurso público. Precisamos contratar", defendeu.

Moreira confirma que os investimentos realizados para a fabricação de vacinas contra a covid-19 e a operação montada na pandemia foram fundamentais. Mas isso não é nem suficiente e nem adequado para o restante dos desafios que enfrenta o Brasil.

Parte do plano ainda envolve reorganizar a rede dos laboratórios nacionais, até mesmo para que possam entrar de alguma forma na cadeia nacional de produção.

Para o presidente da Fiocruz, o Brasil não pode ficar à "mercê do humor da indústria internacional". "Isso beira a questão de soberania", disse.

Como exemplo da ameaça que o Brasil enfrenta ao ficar dependente da tecnologia internacional, Moreira cita dois casos: custos de US$ 400 mil por paciente para certos remédios e uma recente aprovação de um tratamento contra a hemofilia, nos EUA, que exigirá US$ 3 milhões por paciente.

Situações como essa vão se repetir. Sem base industrial, o Brasil terá sérios problemas de sustentabilidade do seu sistema de saúde, disse.

A estratégia, portanto, é a de conseguir uma autonomia suficiente para defende os interesses sanitários próprios do Brasil, e não o de atender às lógicas estrangeiras. Segundo ele, o país hoje enfrenta problemas tanto de um país em desenvolvimento quanto do impacto do envelhecimento da população.

Atualmente, diz o presidente da Fiocruz, a média de vida do brasileiro é 15 anos superior ao que existia quando o SUS foi criado. Portanto, o Brasil precisa ter uma instituição com uma outra linha de pesquisa e de desenvolvimento.

"O Brasil ainda não tem um sistema de ciência e tecnologia madura. Temos de ter avanços e evitar descontinuidade", defendeu.

Fiocruz como parte da política externa

Moreira também deixa claro que a nova etapa da Fiocruz envolverá um forte processo de internacionalização. Isso, segundo ele, não se refere apenas às exportações de vacinas, como da febre amarela para 70 países.

O presidente da entidade afirma que está procurando locais onde a Fiocruz possa se inserir, com o objetivo de acelerar produção e aumentar a autonomia para que o Brasil tenha sua própria carteira de tecnologia.

"Hoje, adquirimos tecnologia existente. Temos de ter a capacidade de desenvolver o que nos interessa", defendeu.

Como um braço da política externa, a entidade também irá difundir tecnologias, em acordos que começam a ser desenhados com China, Portugal e França. De acordo com Moreira, a Fiocruz também buscará parcerias com instituições americanas. Não se trata mais apenas de transferência de tecnologia. Mas do desenvolvimento conjunto de inovações.

Para ele, o desafio será "dar musculatura" para que a estratégia internacional da Fiocruz também envolva "espalhar capacitação tecnológica". "Vamos ter de desenvolver capacidade para difundir tecnologia", defendeu. Mas nossa estratégia de internacionalizar a Fiocruz passa por inserir a entidade em centros avançados onde ela possa desenvolver produtos também",

Diante da pandemia da covid-19 e da escassez de uma produção mais democrática, Moreira acredita que uma das principais tendências é a criação de centros regionais de produção.

Pegamos uma Fiocruz precisando de investimentos. Quero entregar uma Fiocruz com os investimentos em curso, completou.