Topo

Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

ONU aponta repressão de governo Maduro contra dissidentes e sociedade civil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto - 29.mai.2023 - Marcelo Camargo/Agência Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto Imagem: 29.mai.2023 - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Colunista do UOL

05/07/2023 08h30

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Restrições contra a sociedade civil, dissidentes sem acesso à Justiça, fechamento de rádios e criminalização de sindicalistas. Essas são algumas das conclusões das investigações realizadas pela ONU na Venezuela e que, nesta quarta-feira, estão sendo divulgadas em Genebra.

O documento se refere à apuração realizada pela ONU entre maio de 2022 e abril de 2023. Apesar de destacar alguns avanços por parte do governo de Nicolas Maduro, o texto evidencia a preocupação internacional em relação aos ataques contra direitos humanos e a democracia no país.

Desde que assumiu o governo, Luiz Inácio Lula da Silva tem tentando normalizar a situação da Venezuela, reabrindo a embaixada brasileira em Caracas e convidando Maduro para Brasília, o que gerou descontentamento por parte da oposição venezuelana.

Se existem diferentes narrativas sobre a situação no país, observadores apostam nos documentos oficiais da ONU como forma de recorrer a dados objetivos sobre a situação.

O informe denuncia as sanções impostas pelos americanos contra a Venezuela e aponta que tais medidas afetam os direitos da população. Há também um reconhecimento de ações por parte do governo Maduro para atender comunidades mais pobres. Mas a investigação deixa claro a existência de importantes preocupações e violações de direitos fundamentais.

Espaço para sociedade civil

Durante o período examinado, a ONU continuou a "documentar restrições ao espaço cívico, incluindo estruturas legais restritivas que continuam em vigor, limitando o trabalho das organizações da sociedade civil e relatos de que vozes dissidentes foram submetidas a procedimentos judiciais e administrativos arbitrários, bem como à estigmatização".

A ONU diz ter documentado 21 relatos de ameaças e assédio, 46 casos de estigmatização em mídias sociais ou transmissões públicas por funcionários do Estado e 17 casos de criminalização, incluindo 10 casos de detenção arbitrária contra defensores de direitos humanos, jornalistas e outros atores da sociedade civil, incluindo oito mulheres. A ONU, portanto, "incentiva a Venezuela a continuar seus esforços para garantir um espaço cívico aberto e pluralista".

Liberdade de imprensa

Entre maio de 2022 e abril de 2023, a ONU documentou o fechamento de 16 estações de rádio em todo o país. "De acordo com organizações da sociedade civil, 2022 marcou um pico sem precedentes de fechamento de estações de rádio", diz o informe.

Proprietários e gerentes de estações de rádio temiam denunciar a situação publicamente. Na maioria dos casos de fechamento documentados pelo ONU, as estações não tinham as licenças correspondentes devido à falta de renovação ou extensão".

"Diferentes emissoras relataram dificuldades em obter licenças caras das autoridades relevantes, em realizar procedimentos administrativos em Caracas devido à falta de escritórios regionais de registro, à falta de resposta ou à recusa em concluir os procedimentos", indica.

"Portanto, as estações de rádio muitas vezes não conseguem cumprir as obrigações legais, apesar de seus esforços. Várias emissoras supostamente substituíram os programas de notícias, opinião ou reclamações dos cidadãos por outros tipos de programação para evitar represálias das autoridades", conta a investigação.

A ONU ainda documentou 44 bloqueios de sites, incluindo mídia nacional (29) e internacional (quatro), organizações da sociedade civil (três), serviços digitais on-line (cinco) e serviços de privacidade (três). Esses bloqueios foram realizados por provedores de serviços de Internet (ISP) estatais e privados, sem ordem formal ou notificações.

Os bloqueios de sete sites foram suspensos e a ONU espera que outros sigam o mesmo caminho, de acordo com as liberdades fundamentais.

Em junho de 2022, uma empresa de telecomunicações divulgou informações sobre suas 7,9 milhões de linhas de serviço (acessos telefônicos e de dados) de 2021, observando que mais de 1,5 milhão dessas linhas estavam sujeitas a solicitações de interceptação e quase um milhão estavam sujeitas a solicitações de metadados.

"Essas informações levantam preocupações significativas sobre a interferência indevida no direito à privacidade dos indivíduos afetados", diz o documento oficial.

A ONU ainda se diz preocupada diante da aplicação de uma lei para "criminalizar e deslegitimar o trabalho de defensores de direitos humanos, jornalistas e outras pessoas".

"Durante o período do relatório, a ONU documentou nove casos, perfazendo um total de 32 vítimas, incluindo aquelas previamente documentadas pelo Escritório, em que indivíduos, incluindo defensores de direitos humanos e jornalistas, foram acusados ou processados com base em leis de incitação ao ódio ou instigação pública", disse.

Restrição contra a oposição

A ONU ainda afirmou estar preocupada com 14 alegações recebidas entre fevereiro e abril de 2023, relativas a restrições ao direito de participar da condução de assuntos públicos.

Isso inclui "assédio e outras formas de intimidação contra membros de partidos políticos e militantes no contexto da campanha eleitoral para as Primárias lançada por parte da oposição".

"Durante o período do relatório, a ONU recebeu relatórios sobre a desqualificação de pessoas para participar de processos eleitorais pelo Escritório da Controladoria General de la República", disse. "Nenhuma notificação sobre a abertura dos procedimentos ou aviso foi emitido antes dessas desqualificações, restringindo assim o exercício do direito de defesa", alertou.

Dissidentes presos sem acesso à Justiça

Um dos pontos destacados pela investigação da ONU se refere à incapacidade de que dissentes possam ter um processo legal para se defender.

Segundo o documento, existem ainda atrasos contínuos nos procedimentos judiciais, incluindo investigações, audiências e processos, que corroem as garantias de justiça processual.

Com base nas informações recebidas, foram observados atrasos indevidos na tramitação de três casos contra indivíduos acusados de insurreição contra o Estado, sendo que 93 audiências foram adiadas durante o período do relatório.

"Permanecem as preocupações quanto ao adiamento das audiências judiciais nesses casos, supostamente devido a desafios na notificação oportuna pelas autoridades judiciais das transferências de detentos dos centros de detenção para os tribunais, entre outras questões, refletindo assim a necessidade de melhorar a coordenação entre as autoridades judiciais e os centros de detenção", disse.

Em um caso, as audiências judiciais foram adiadas consecutivamente 14 vezes desde 9 de agosto de 2022 por causas atribuíveis a problemas de coordenação entre as autoridades.

Tortura

Durante o período examinado pela ONU, foram documentados casos de 22 indivíduos que foram supostamente torturados ou submetidos a maus-tratos em centros de detenção entre 2018 e 2022. Esses últimos casos se somam aos 92 documentados anteriormente. De todos os 114 casos, 62 foram atribuídos à Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM) e cinco ao Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN). "O medo de represálias e a desconfiança nas instituições e autoridades contribuíram para a subnotificação das alegações de tortura às autoridades", alertou a ONU.

Sindicalistas criminalizados

A investigação ainda apontou para 12 casos de criminalização de líderes sindicais e trabalhistas, incluindo uma mulher. Nove deles foram detidos.

A ONU ainda denunciou assédio a sete líderes sindicais, sequestro do parente de um líder sindical e ameaças contra quatro (um contra um parente), por supostos funcionários do Estado ou coletivos.

Entre 4 e 7 de julho de 2022, seis sindicalistas e líderes trabalhistas, incluindo um representante da Confederación de Sindicatos Autónomos (CODESA), foram presos sob a acusação de conspiração e associação criminosa de acordo com a Lei Orgânica contra o Crime Organizado e o Financiamento do Terrorismo.

A sociedade civil relatou que os protestos trabalhistas constituíram 47% de todos os protestos em todo o país em 2022. Isso inclui protestos pacíficos contínuos, desde abril de 2022, em resposta a um ajuste na escala salarial que reduziu os salários já baixos dos funcionários públicos em aproximadamente 40%.