Jamil Chade

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Em cúpula, UE quer retomar espaço perdido para China na América Latina

Depois de quase uma década ausente da agenda diplomática internacional, a cúpula entre Europa e América Latina ocorrer a partir desta segunda-feira (17), em Bruxelas. Se para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a meta é a de restabelecer relações estratégicas com os europeus e uma nova parceria, os líderes do Velho Continente chegam ao evento conscientes de que sua tradicional postura de protagonista na economia latino-americana perdeu força.

O último encontro entre os dois blocos ocorreu em 2015. E, desde então, o que se viu foi uma transformação do mapa comercial e político da América Latina.

Na Europa, a preocupação é real sobre o avanço chinês sobre o Brasil e o restante do continente, com diplomatas e especialistas alertando sobre o risco de que, se nada mudar na estratégia europeia para a região, a presença das multinacionais e interesses europeus serão apenas uma fração do que foram no século 20.

Num documento produzido pelo Parlamento Europeu no final de 2022, o bloco alertava que, nos últimos 20 anos, o comércio entre a China e América Latina aumentou em 26 vezes.

Na prática, o fluxo passou de US$ 12 bilhões para US$ 310 bilhões.

Os dados mais preocupantes se referem às economias da América do Sul e do Mercosul. A partir de 2015, a China se transformou no maior parceiro comercial do continente.

Se em 2000 a Europa representava 25% do comércio do Mercosul, hoje essa taxa é de apenas 15%. Já a China, que ocupava 4% do mercado do Cone Sul em 2000, hoje assume 24% de todo o fruto comercial.

Enquanto os chineses avançavam, o acordo Mercosul-UE viveu um impasse e corre, mesmo agora, o risco de não ser fechado diante das divergências entre os dois blocos. O tema deve fazer parte da agenda, ainda que não sejam esperados avanços reais.

A UE, que há muito tempo é o parceiro comercial mais importante da América do Sul e o segundo maior parceiro comercial da América Latina como um todo, tem experimentado uma diminuição em sua participação de mercado em meio à expansão do comércio da China"
Trecho do documento do Parlamento Europeu, obtido pelo UOL

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Para os europeus, essa relação entre os latino-americanos e a China pode ser prejudicial para a região e, portanto, ainda abre esperanças de que uma nova fase de cooperação possa ser estabelecida.

Em seu documento interno, o Parlamento Europeu alertou no final de 2022 sobre a "implicação de uma dependência assimétrica" da América Latina com a China."Há algumas indicações de que a China contribuiu indiretamente para o processo de desindustrialização presente na maioria dos países da América do Sul", afirmou.

"Mais importante ainda, os países da América Latina não têm sido capazes de se atualizar em muitas cadeias de valor globais que dependem de insumos da região, tais como soja, minerais, farinha de peixe, com efeitos negativos sobre o valor agregado, produtividade e desenvolvimento tecnológico", apontou.

Proposta dos europeus: só comércio não será suficiente para reconquistar espaço

No documento do Parlamento, fica claro ainda a necessidade de os europeus encontrarem um novo caminho para a relação com os latino-americanos.

"No contexto da crescente influência econômica e política da China na América Latina, a UE precisará ajustar sua estratégia às mudanças estruturais no ambiente sociopolítico da região", admite o documento do Parlamnto.

Segundo eles, a estratégia atual baseada na cooperação econômica e acordos comerciais não será suficiente. A meta é a de desenvolver "uma abordagem mais abrangente que atenda à agenda dos novos governos da América Latina para promover o desenvolvimento sustentável".

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Isso envolverá duas áreas prioritárias de cooperação:

A primeira área está relacionada ao desenvolvimento produtivo e à atualização tecnológica para uma transição verde e socialmente inclusiva. Como a UE é líder em tecnologias limpas, isso deve envolver uma parceria estratégica no campo da pesquisa e da inovação.

Isso, segundo eles, inclui a cooperação tecnológica e a transferência de tecnologia para

promover a mudança para a energia renovável

aumentar a eficiência energética e reduzir as emissões de carbono da atividade industrial expandir as capacidades tecnológicas locais com relação à promoção da circularidade dos processos econômicos.

A segunda área prioritária está relacionada à necessária transição de sustentabilidade nos setores extrativistas das economias da América Latina

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"Em contraste com os compromissos chineses em projetos de mineração, a UE poderia oferecer parcerias de matérias-primas que incluíssem uma forte ênfase nos direitos humanos e na extração e mineração de minerais ambientalmente sustentáveis", sugeriu.

"A UE poderia apoiar práticas de mineração mais limpas e socialmente responsáveis, por exemplo, na estrutura de iniciativas de financiamento verde e por meio de compromissos de financiamento concessionais ampliados de bancos de desenvolvimento europeus, bem como de instituições financeiras de desenvolvimento europeias. Assim, os interesses da UE em garantir o acesso a minerais essenciais para a transição ecológica poderiam ser associados a uma oferta séria para o desenvolvimento conjunto de uma agenda de mineração sustentável", propõe.

Mas a questão não se refere apenas ao fluxo comercial. Num recente estudo, o ex-ministro de Finanças do Chile, Felipe Larraín, e o acadêmico Pepe Zhang apontaram que, de fato, há hoje um maior investimento chinês na América Latina que nos EUA e praticamente o mesmo volume destinado para a Europa.

Parte da explicação seria a necessidade que os chineses continuam tendo em relação ao abastecimento de matéria prima. Mas outro fato fundamental é a onda de restrições impostas por governos como o dos EUA e europeus, limitando a venda de ativos nacionais para os chineses, sob o argumento de ameaça à segurança nacional.

Segundo eles, em 2022, a China investiu:

US$ 8,4 bilhões na Europa

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US$ entre 7 e 10 bilhões na América Latina

US$ 4,7 bilhões nos EUA

Só o Brasil teria recebido US$ 5,9 bilhões dos chineses em 2021, transformando o país no principal destino de investimentos de Pequim naquele ano.

O volume não ocorre por acaso. O presidente chinês, Xi Jinping, já visitou a América Latina 11 vezes desde que assumiu o poder, em 2013. Além disso, Pequim declarou "parceiros estratégicos" países como Chile, México, Peru, Venezuela, Equador, Argentina e, claro, o Brasil.

Em Bruxelas, os europeus querem agora começar a reverter essa tendência. Mas, para diplomatas brasileiros, qualquer esforço neste sentido terá de reconhecer que a realidade política mudou e que uma atitude colonialista terá pouco êxito.

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