Compra de diesel russo pelo Brasil salta de US$ 18 milhões para US$ 1,5 bi
Enquanto as economias do G7 buscam caminhos e medidas para asfixiar a economia da Rússia e cortar as possibilidades de financiamento da guerra, o comércio de diesel entre os russos e o Brasil explodiu em 2023.
Os dados oficiais do fluxo de produtos entre os dois países não deixam dúvidas sobre o novo cenário e foram confirmados por altos funcionários da diplomacia brasileira.
Entre janeiro e julho, Moscou vendeu em diesel quase o dobro de toda a exportação brasileira para o mercado russo. O produto supera hoje todos os demais itens da balança comercial.
De acordo os registros do governo brasileiro:
Nos sete primeiros meses de 2022, o Brasil importou US$ 18,1 milhões em diesel da Rússia.
Em todo o ano de 2022, o Brasil importou US$ 95 milhões em diesel russo.
Mas, em apenas sete meses em 2023, Moscou vendeu para o Brasil US$ 1,49 bilhão em diesel.
Em nota enviada à coluna (veja a íntegra ao final do texto), o Itamaraty informa que a "negociação e comercialização de combustíveis é feita diretamente pelo setor privado" e que em 2022 "o governo brasileiro não realizou tratativas com o governo da Rússia para compra de diesel, mas buscou facilitar o contato" entre empresas.
Aproximação de Bolsonaro com Putin
A negociação para a compra do diesel russo não aconteceu no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Foi a aproximação entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e Vladimir Putin que permitiu que o setor privado estabelecesse contratos para o comércio do combustível.
Naquele momento, o Palácio do Planalto argumentou que se tratava de um esforço para reduzir a pressão sobre a inflação no país e a alta registrada nos postos de gasolina.
Mas foi apenas em 2023 que o volume ganhou o novo fôlego, atingindo uma marca inédita.
De fato, desde o início da guerra (fevereiro de 2022), o comércio bilateral aumentou de forma importante. Antes da pandemia, em 2019, o Brasil importava dos russos US$ 3,7 bilhões.
Em 2021, um ano antes da guerra, a compra nacional de produtos da Rússia chegou a US$ 5,7 bilhões. Em 2022, com o conflito gerando sanções comerciais contra Moscou, o Brasil ampliou suas compras para US$ 7,8 bilhões.
Nos primeiros sete meses de 2023, o ritmo de importações continua elevado, em US$ 4,7 bilhões — um pouco abaixo do volume de 2022.
Isso, segundo negociadores do setor agrícola, ocorre por conta de uma corrida que houve no ano passado para assegurar o abastecimento de fertilizantes russos ao país.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberAinda assim, as compras brasileiras continuam muito acima da média dos últimos anos, agora inflacionadas também pela compra do diesel russo.
Déficit brasileiro se amplia
O impacto da compra de diesel começa a ser sentido na balança comercial brasileira, e o déficit do país com os russos aumentou de forma significativa.
Em 2021, as exportações nacionais para o mercado russo somaram US$ 1,5 bilhão.
Um ano depois, subiram para US$ 1,9 bilhão. Mas houve uma queda nos sete primeiros meses de 2023, com um volume de US$ 885 milhões.
Opção diplomática do Brasil frustrou potências ocidentais
A posição brasileira na guerra, ainda sob Bolsonaro, deixou as potências ocidentais preocupadas. O temor de americanos e europeus era que os gestos do governo do ex-presidente pudessem ser interpretados como um apoio ao Kremlin.
A aproximação de Bolsonaro no acordo sobre o diesel, de fato, foi um dos temas de debates entre as chancelarias europeias, num momento em que se avaliava caminhos para estrangular a capacidade de os russos pagarem por sua guerra. Para as potências Ocidentais, era fundamental ter a adesão do Brasil às sanções. Mas, apesar da pressão, o país manteve sua tradição de não adotar medidas unilaterais.
Ao longo de vários meses, medidas adotadas pelos governos europeus, dos EUA e aliados fecharam os mercados para bens russos, puniram empresas que mantinham investimentos no país, suspenderam o uso do sistema de pagamentos internacionais, adotaram regras para excluir empresas de Moscou de operações no exterior e criaram lista com nomes de oligarcas que tiveram seus bens confiscados.
A estratégia tinha três objetivos:
Impedir que Putin conseguisse recursos para financiar sua guerra
Reduzir a dependência da Europa em relação à energia russa
Criar uma insatisfação entre a elite econômica russa diante das decisões do Kremlin
Drible nas sanções europeias
Mas o que Putin fez foi redirecionar seu comércio para outros mercados, principalmente aos membros dos Brics. China e Índia se transformaram em importantes destinos das exportações russas, garantindo o fluxo de recursos.
Além disso, os russos passaram a aumentar suas vendas para os sauditas e outros países do Oriente Médio, no momento em que os europeus baniram a compra de petróleo e diesel de Moscou, em fevereiro de 2023. O que se notou, porém, foi um salto na compra de energia da Arábia Saudita por parte dos europeus, numa indicação de que os operadores do mercado estão apenas driblando as sanções.
Com a chegada de Lula ao poder, a postura brasileira não seguiu o caminho de Bolsonaro: o governo passou a atuar na busca de um acordo e de uma negociação. Entretanto, no esforço de se credenciar como um ator capaz de falar com Kiev e Moscou, o Brasil acabou gerando atritos com o bloco ocidental.
Sob Lula, o Brasil votou na Assembleia Geral pela condenação da invasão russa ao território ucraniano e defendeu a integridade territorial do país atacado.
Mas o governo do PT insiste em não aceitar qualquer pressão para impor sanções contra Moscou e alerta que uma saída negociada apenas ocorrerá quando os interesses de segurança da Rússia forem considerados.
A posição oficial do Itamaraty
"Em 2022, no contexto da crise energética, o governo brasileiro não realizou tratativas com o governo da Rússia para compra de diesel, mas buscou facilitar o contato entre empresas russas e o setor brasileiro de importadores e distribuidores de combustíveis a fim de facilitar o fluxo comercial entre os dois países.
A negociação e comercialização de combustíveis é feita diretamente pelo setor privado e a comercialização de petróleo e derivados no Brasil obedece a regras de mercado. O abastecimento proveniente de outros países é realizado por contratos que atendem à demanda imediata por tipo e quantidade específicos. Assim, cabe às empresas a decisão de incrementar ou não as aquisições de petróleo de fornecedores específicos.
Cabe à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) autorizar a importação de combustíveis ao Brasil, por meio de Licenças de Importação (LIs) emitidas sob demanda das próprias empresas interessadas na importação.
Conforme posição tradicional do Brasil sobre sanções, o país não aplica nem apoia sanções unilaterais".
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