Jamil Chade

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EUA vetam proposta do Brasil na ONU e resolução sobre Gaza é rejeitada

Com um veto dos EUA, o Conselho de Segurança da ONU não conseguiu aprovar hoje a resolução costurada pelo Brasil e que propunha que uma pausa humanitária fosse estabelecida em Gaza para socorrer milhares de civis. O bloqueio aprofunda a crise política e escancara a incapacidade das potências de chegar a um entendimento para frear o ciclo de mortes.

O governo de Israel agradeceu os americanos pelo veto anunciado em Nova York e criticou o Conselho de Segurança da ONU por considerar apenas um caminho humanitário para a crise. Durante o encontro, o embaixador israelense na ONU, Gilad Erdan, atacou o fato de o órgão estar "fixado apenas em corredores humanitários e ajuda". "São causas nobres. Mas não são soluções para impedir proximo massacre do Hamas", acusou. "Este Conselho nem condenou o ataque do Hamas. Vocês não chegaram nem a um consenso nem sobre isso", atacou. Para ele, apenas o Hamas é responsável pela crise e o foco deveria ser exclusivamente nesse aspecto.

A lógica da defesa de Israel foi, de fato, usada pelo governo americano para justificar seu veto. Para a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas Greenfield, o documento do Brasil não tratou de forma suficiente do direito de autodefesa de Tel Aviv.

Ela ainda declarou que não havia qualquer indicação de que Israel seja o responsável pelos ataques contra o hospital de Al Ahli, que fez mais de 500 mortos na noite de terça-feira, em Gaza. Governos árabes acusaram Tel Aviv, que negou qualquer envolvimento. Segundo a embaixadora, ainda que informações estejam sendo coletadas, "a análise atual é de que Israel não é o responsável pela explosão".

O veto americano, pelas regras da ONU, era suficiente para frear qualquer decisão e, por isso, o esforço do Itamaraty foi por buscar acomodar os interesses dos EUA.

Para ser aprovada, uma resolução no Conselho precisa de pelo menos nove votos dos 15 membros do órgão. Mas não pode contar com nenhum veto. Apenas cinco países têm esse direito de vetar um texto: EUA, China, Rússia, Reino Unido e França.

Ao final de um longo processo de negociação, o texto brasileiro somou 12 votos de apoio:

  • Brasil, França, Malta, Japão, Gana, Gabão, Suíça, Moçambique, Equador, China, Albânia, e Emirados Árabes.

Duas abstenções:

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  • Rússia e Reino Unido.

Mas o poder de veto dos EUA, um tradicional aliado de Israel, foi suficiente para derrubar a proposta. O voto era visto como um teste para a credibilidade do Conselho que, nos últimos sete anos, não conseguiu aprovar nenhum entendimento entre as potências no que se refere à crise entre palestinos e israelenses.

A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield;  os EUA vetaram resolução proposta pelo Brasil
A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield; os EUA vetaram resolução proposta pelo Brasil Imagem: Bryan R. Smith/AFP

O Brasil, nas últimas horas, amenizou o texto, na esperança de conseguir o apoio dos EUA. O UOL apurou que, antes mesmo do processo negociador começar, a Casa Branca já havia avisado de forma sigilosa ao Itamaraty que os americanos não queriam qualquer tipo de ação do Conselho de Segurança sobre o tema.

Tristemente, muito tristemente, o Conselho mais uma vez não conseguiu adotar uma resolução. Silêncio e inação prevaleceram, para o interesse de ninguém no longo prazo de ninguém.
lamentou Sérgio Danese, embaixador do Brasil na ONU.

Para ele, o projeto era equilibrado e lembrou que os civis não podem continuar sofrendo. Segundo Danese, houve um esforço por parte do Brasil para acomodar posições opostas. "O realismo político nos guiou, mas nossa visão sempre esteve no imperativo humanitário", disse.

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Itamaraty não vê resultado como derrota

Nos bastidores, diplomatas brasileiros não consideraram o resultado como uma derrota do Itamaraty, sinalizando que a ampla votação favorável mostrou que construção do texto havia sido exitosa e que as negociações conseguiram acomodar os interesses de muitos.

Também foi destacado o fato de que governos como o da França, Suíça, Gabão, Moçambique e outros elogiaram publicamente o trabalho de Danese.

O que dizia a resolução do Brasil:

Condenava os atos terrorista do Hamas

Pedia a libertação dos reféns israelenses

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Cobrava de ambos os lados a proteção à população civil

Denunciava os ataques indiscriminados sobre Gaza

Pedia que Israel abandonasse a ordem de evacuar palestinos do norte de Gaza

Estabelecia uma pausa humanitária e pedia que um corredor humanitário seja criado em Gaza

Palestinos feridos no ataque ao hospital Al-Ahl, em Gaza, esperam atendimento em outro hospital para o qual foram levados
Palestinos feridos no ataque ao hospital Al-Ahl, em Gaza, esperam atendimento em outro hospital para o qual foram levados Imagem: Ali Jadallah - 17.out.23/Anadolu via Getty Images

EUA explica seu veto; China chama veto de "inacreditável"

O governo americano explicou seu veto e lamentou que o texto não fazia uma referência para que fosse estabelecido o direito de autodefesa por parte de Israel.

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Todos os países têm esse direito
Linda Thomas Greenfield, embaixadora dos EUA na ONU

Ela ainda deixou claro que o "duro trabalho diplomático" está ocorrendo e que o presidente dos EUA, Joe Biden, está na região justamente para negociar um acordo. "Precisamos deixar aquela diplomacia ocorrer", insistiu.

O governo russo não poupou críticas ao governo Biden.

Somos testemunhas da hipocrisia dos EUA. Eles não queriam uma solução aqui
Vassily Nebenzia, embaixador russo na ONU

Já o embaixador da China, Zhang Jun, afirmou estar "em choque" diante do comportamento dos EUA e apontou que o texto brasileiro era "a visão da comunidade internacional". O chefe da delegação de Pequim qualificou o gesto americano de "inacreditável" e destacou como os EUA não manifestaram oposição ao texto nos últimos dias. "Esperávamos que iriam votar a favor", disse.

Diante do voto, o embaixador palestino na ONU, Riyad Mansour, fez um apelo emocionado. "Parem o banho de sangue e parem agora", disse. Segundo ele, Israel vem cometendo "diariamente um massacre".

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"Quem não quer o cessar-fogo perde credibilidade e compartilha a responsabilidade pela devastação", denunciou, num recado aos americanos.

As críticas também vieram do campo dos ativistas de direitos humanos.

"Mais uma vez, os EUA usaram de forma cínica seu poder de veto para impedir que o Conselho de Segurança da ONU atue em relação a Israel e Palestina em um momento de violência sem precedentes", afirmou a Human Rights Watch.

"Ao fazerem isso, vetaram demandas que eles mesmos insistem, com frequência, em outros contextos, quais sejam: que todas as partes cumpram a lei humanitária internacional e garantam que a ajuda humanitária vital e os serviços essenciais cheguem às pessoas que mais precisam", disse. "Eles também vetaram a condenação do ataque de 7 de outubro, realizado pelo Hamas, assim como a exigência de libertação dos reféns. Diante do impasse no Conselho, os países membros da ONU deveriam pedir à Assembleia Geral que tome medidas urgentes para proteger os civis e evitar atrocidades em grande escala", completou.

 Membros do Conselho de Segurança da ONU se reuniram para votar resolução sobre Gaza
Membros do Conselho de Segurança da ONU se reuniram para votar resolução sobre Gaza Imagem: Bryan R. Smith / AFP

A crise ainda ficou clara quando, antes da votação do texto brasileiro, o Conselho de Segurança não chegou a um acordo sobre uma emenda apresentada pela Rússia e que pedia duas coisas: uma condenação aos ataques contra o hospital de Al Ahli e um apelo explícito por um cessar-fogo. O governo americano vetou os termos.

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Quando a resolução brasileira foi considerada, portanto, o clima já era de tensão.

Inicialmente, foram os russos quem apresentaram um projeto de resolução, num ato interpretado como um oportunismo diplomático por parte de Vladimir Putin para se reposicionar no cenário internacional como um defensor da paz.

O texto, porém, sequer mencionava o Hamas e foi rejeitado pelo Ocidente. Na esperança de impedir um impasse, o Brasil —que preside o Conselho— submeteu aos governos um projeto alternativo. A votação foi adiada em duas ocasiões, na esperança de que um consenso pudesse ser negociado. Mas não foi suficiente.

Depois de cinco dias de intensas negociações, a esperança do Itamaraty era de que o documento fosse considerado como equilibrado o suficiente para impedir que EUA ou Rússia vetassem os termos propostos pelo Brasil.

Mas isso tampouco foi suficiente. O órgão da ONU já havia se reunido em três ocasiões desde o começo da nova fase do conflito. Mas, por exigência dos americanos, o encontro ocorreu a portas fechadas. Não houve um entendimento sequer para pedir o fim da violência.

Agora, foi o veto que impediu um acordo.

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Brasil amenizou resolução para atrair apoio dos EUA

Conforme o UOL revelou com exclusividade, o Itamaraty fez várias gestões para atrair o apoio dos EUA nos últimos dias. Pressionado pela Casa Branca, o Brasil havia aceitado retirar do texto original a referência a um cessar-fogo. O termo era considerado como inaceitável por parte dos EUA, já que poderia criar um problema para o apoio que Israel quer para manter sua guerra contra o Hamas.

A alternativa apresentada pelo Itamaraty foi a de trocar o termo "cessar-fogo" por "pausa humanitária", período no qual alimentos e remédios poderiam ser distribuídos para a população de Gaza e quando feridos poderiam ser retirados.

Mas ai foram os russos que não concordaram. Moscou apresentou emendas ao texto brasileiro, sugerindo que o termo "cessar-fogo" fosse recolocado.

Faltando poucas horas para o voto, o Brasil ainda mudou o texto, uma vez mais para atender aos americanos. O texto original pedia a "imediata rescisão da ordem de evacuação de civis e funcionários da ONU de todas as áreas de Gaza ao norte de Wadi Gaza".

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Na nova versão, a palavra "imediata" é retirada, num esforço para atender aos americanos.

Outro impasse foi a referência ao governo de Israel.

Na proposta, o texto brasileiro condenava os "ataques terroristas do Hamas" e pedia a libertação dos reféns israelenses, num sinal claro por parte do Brasil para evitar um veto dos EUA.

Mas o texto também fazia um apelo para que o governo de Benjamin Netanyahu abandonasse seu ultimato para que os palestinos deixem o norte da Faixa da Gaza e insistia que todos os atores devem respeitar o direito humanitário internacional.

Mas, para os russos, havia um desequilíbrio entre como o Hamas era citado e Israel.

Moscou sugeriu que o texto trouxesse uma referência explícita de condenação aos "ataques indiscriminados contra Gaza", numa ação deliberada contra Israel e seus aliados Ocidentais. Mas essa referência não foi aceita pela Casa Branca.

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O objetivo do Brasil era o de conseguir que nenhuma das potências usasse seu poder de veto. A abstenção seria suficiente para permitir que o texto fosse aprovado.

Mas nada disso foi possível. Há sete anos o Conselho da ONU não chega a um consenso sobre a questão entre Israel e Palestina. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que preside o órgão no mês de outubro, esperava usar o encontro e a iniciativa para mostrar seu protagonismo em debates sobre a segurança internacional.

Mas o veto de hoje representa um sinal claro da dificuldade que a comunidade internacional terá para chegar a um acordo.

Reportagem

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