Jamil Chade

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Acordo com Mercosul causa racha entre França e Alemanha e abre debate na UE

As duas maiores economias da União Europeia - França e Alemanha - racham diante da estratégia comercial a ser utilizada com o Brasil. Os exportadores alemães tentam driblar o veto da França em relação a um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a UE. Para a indústria de veículos da maior economia da Europa, o pacto entre os dois blocos poderia ser dividido em dois, salvando pelo menos parte das negociações que já entram em seu 25º ano.

Pressionado pelos agricultores que protestam e paralisam até mesmo as entradas da cidade de Paris, o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou que seu governo iria se opor ao acordo de livre comércio com o Mercosul.

O tema estará na agenda da cúpula da Europa, nesta quinta-feira em Bruxelas.

Na segunda-feira, Macron insinuou o fim das negociações com o bloco do Mercosul. "A Comissão Europeia entendeu que era impossível concluir as negociações nesse contexto", disse uma autoridade francesa.

Bruxelas, porém, negou essa versão. Michael Hager, chefe de gabinete do comissário europeu para o comércio exterior Valdis Dombrovskis, esclareceu que "não há nenhuma parada".

Na terça-feira, Macron voltou a criticar o pacto, indicando que a França não assinaria o acordo da forma que está sendo proposto. Sua sinalização não difere da posição tradicional de Paris, contrária a qualquer abertura do mercado agrícola para a concorrência sul-americana.

Se nos últimos anos Macron usou o desmatamento gerado pelas políticas de Jair Bolsonaro, agora é vez de usar o argumento social para impedir a entrada de produtos brasileiros no seu mercado.

Nesta quarta-feira, numa entrevista à rede de TV CNEWS, o ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, deixou claro que Paris vai pressionar a Comissão a interromper as negociações com o Mercosul. "Quando a França quer algo na Europa, ela tem o poder de se impor", disse. "A França irá fazer de tudo para garantir que o acordo com o Mercosul não será assinado da forma que está", insistiu.

"O acordo não pode e não deve ser assinado", completou.

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Fazendeiros franceses bloqueiam rodovia durante protesto em Longvilliers, perto de Paris
Fazendeiros franceses bloqueiam rodovia durante protesto em Longvilliers, perto de Paris Imagem: Aurelien Morissard/Xinhua - 29.jan.2024

Mas, para a Alemanha, rejeitar um acordo com o Mercosul não faz sentido, principalmente diante do interesse exportador do setor de carros.

"O governo alemão continua firmemente comprometido com a conclusão das negociações com os países do Mercosul, o mais rápido possível", disse um porta-voz do Ministério da Economia alemão, em resposta ao veto francês.

Berlim destacou que, há poucas semanas, o chanceler alemão Olaf Scholz telefonou para o novo presidente argentino Javier Milei. Ambos "concordaram que as negociações sobre o acordo devem ser finalizadas rapidamente".

Dividir o acordo

A principal pressão entre os alemães vem da esperança da indústria automobilística de garantir seu espaço no mercado latino-americano, cada vez mais cobiçado por montadoras chinesas e asiáticas.

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"As negociações para um acordo com o Mercosul estão se arrastando há mais de 20 anos", disse Hildegard Müller, diretora da Associação da Indústria Automotiva Alemã (VDA). Segundo ela, a UE não consegue avançar em nenhum acordo e projetos com a Austrália e México também enfrentam barreiras. "Todo acordo que não é concluído fortalece os outros e nos enfraquece", alertou Müller.

A proposta dos alemães, portanto, é a de dividir o acordo UE-Mercosul em dois. Com isso, o trecho que lida com a aplicação de tarifas poderia entrar em vigor, enquanto o restante continuaria sendo negociado, principalmente no que se refere aos temas ambientais.

"Fazemos acordos excessivamente complexos e acabamos nos prejudicando porque não conseguimos alcançar nada em nenhuma das áreas econômicas", criticou Müller.

"Às vezes, é possível ver que as pessoas ficam presas em uma única questão. Nas [negociações com] o México é a política energética, no Mercosul é a política agrícola, e todos os outros setores sofrem com isso", disse ela.

"Portanto, também devemos considerar se esses acordos comerciais devem ser divididos em partes para que possam ter efeito", defendeu.

O governo de Olaf Scholz sinalizou que é favorável à proposta de sua indústria. Mas Paris já avisou que não aceitaria o caminho proposto pelos exportadores em Berlim.

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