Jamil Chade

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Reportagem

Quanto mais calor no planeta, mais a dengue dispara, diz agência da ONU

A onda de dengue no Brasil e no restante do mundo pode piorar nos próximos anos, impactada pelas mudanças climáticas. O alerta é do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) que, nos últimos anos, constatou a relação entre as temperaturas no planeta e a expansão geográfica da doença.

O órgão da ONU, em seu informe de 2022, foi contundente: se nada for feito para frear a transformação climática, 5 bilhões de pessoas a mais estarão vivendo em regiões do mundo onde poderão estar suscetíveis à doença. Hoje, ela é presente em áreas onde habitam 3 bilhões de pessoas.

Ainda que a população mundial em crescimento tenha um impacto nessa previsão, o principal fator é a expansão das condições propícias para a sobrevivência do vetor da dengue, o mosquito Aedes aegypt.

Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), afirmou nesta quarta-feira (7) no Brasil que o surto de dengue era um fenômeno global e que o problema, em 2023, havia atingido números significativos.

Mas, para o IPCC, o cenário pode ficar ainda mais grave. "Espera-se que as mudanças climáticas aumentem o risco de dengue e facilite sua disseminação global, com o risco sendo maior em cenários de altas emissões" aponta o informe de mais de 3.000 páginas.

"O risco de dengue aumentará com estações mais longas e uma distribuição geográfica mais ampla na Ásia, Europa, América Central e do Sul e África Subsaariana, podendo colocar bilhões de pessoas adicionais em risco até o final do século", afirma o IPCC, apontando como o Aedes aegypti se deslocará para altitudes mais elevadas, aumentando as populações em risco.

"A exposição futura ao risco será influenciada pelos efeitos combinados da mudança climática e de fatores não climáticos, como a densidade populacional e o desenvolvimento econômico", destaca o texto, citando dezenas de estudos.

De um modo geral, espera-se que os níveis de risco aumentem em todos os continentes.

Em comparação com 2015, projeta-se que 1 bilhão de pessoas a mais estarão em risco de exposição à dengue até 2080, em um cenário mais positivo. Esse número sobe para 2,2 bilhões em um cenário intermediário. E, no pior dos cenários, 5 bilhões de pessoas extras seriam afetadas.

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O impacto seria sentido em todas as regiões:

Na América Central e do Sul, o potencial de reprodução para a transmissão da dengue aumentou entre 17% e 80% no período de 1950-1954 a 2016-2021, como resultado de mudanças na temperatura e na precipitação.

Prevê-se que os casos de dengue aumentem nos cenários de aquecimento de 1,5°C e 3,7°C até 2050 e 2100, com aumentos que variam de 28,9 mil a 88,8 mil no Peru, 34,6 mil a 110 mil no Equador e 97,4 mil a 317 mil na Colômbia.

Na América do Norte, projeta-se que o risco se expanda no centro-norte do México, com a incidência anual de dengue no México aumentando em até 40% até 2080, e se expanda dos estados do sul dos EUA para as regiões do meio-oeste.

Na China, a exposição à dengue aumentaria de 168 milhões de pessoas em 142 condados para 490 milhões de pessoas em 456 condados até o final do século 21.

No Nepal, espera-se que a dengue se expanda ao longo das décadas de 2050 e 2070.

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Na Tanzânia, quase todas as regiões serão afetadas até 2050.

A incidência de dengue aumentará para 16 mil casos por ano até 2100 em Dhaka, Bangladesh. Isso representaria um aumento na incidência de mais de quarenta vezes em comparação com 2010.

Em comparação com os números médios de 1997 a 2012, o número anual de dias adequados para a transmissão da dengue nas décadas de 2020, 2050 e 2080 aumentará em 15, 25 e 40 dias, respectivamente. Além disso, as áreas em que ocorrem epidemias de dengue durante todo o ano provavelmente aumentarão em 4.500, 8.800 e 20.700 km² nas décadas de 2020, 2050 e 2080.

De acordo com o IPCC, a "duração e a taxa de sobrevivência do desenvolvimento do mosquito da dengue, a densidade do mosquito, a atividade de picada do mosquito, o alcance e a distribuição espaço-temporal do mosquito e a distância de voo do mosquito são todos afetados pela temperatura.

"A temperatura, a precipitação, a umidade e a pressão do ar são os principais fatores climáticos associados à transmissão da dengue", constata.

Colonizando novas áreas

Segundo os especialistas do IPCC, a dengue não é a única a potencialmente migrar para novas regiões do mundo.

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A mudança climática está possibilitando que muitas doenças colonizem áreas historicamente mais frias que estão se tornando mais quentes e úmidas.

Um dos exemplos citados é o dos carrapatos que carregam o vírus que causa a encefalite e que se mudaram para as regiões subárticas do norte da Ásia e da Europa. "Vírus como o da dengue, chikungunya e encefalite japonesa estão surgindo no Nepal, em áreas montanhosas e de colinas. Novos surtos de envenenamento por frutos do mar causados pela bactéria Vibrio estão sendo rastreados até os Estados Bálticos e o Alasca, onde nunca foram documentados antes", aponta.

"As mudanças climáticas também podem ter efeitos complicados, combinados e contraditórios sobre patógenos e vetores", afirma.

"O aumento da precipitação cria mais habitat para os mosquitos que transmitem doenças como a malária, mas o excesso de chuva leva à destruição desse habitat", aponta. Mas a diminuição das chuvas também aumenta o risco de doenças quando as pessoas sem acesso confiável à água usam recipientes para armazenar água, onde os mosquitos, como os vetores da dengue Aedes aegypti, depositam seus ovos.

"As temperaturas mais altas também aumentam a taxa de picadas de mosquito, o desenvolvimento de parasitas e a replicação viral", alerta o IPCC.

Nada disso é novo. Segundo os especialistas, desde 1950, "o ônus global da dengue cresceu e pode ser atribuído a uma combinação de expansão associada ao clima na área geográfica das espécies de vetores e a fatores não climáticos, como tráfego aéreo globalizado, urbanização e medidas ineficazes de redução de vetores".

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"As variáveis de temperatura, umidade relativa e precipitação pluviométrica estão associadas de forma significativa e positiva ao aumento da incidência de casos de dengue e/ou às taxas de transmissão em todo o mundo, inclusive no Vietnã, Índia, Indonésia, Filipinas, EUA ou Jordânia", completa.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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