Bloquear ajuda brasileira em Gaza é promover fome, diz relator da ONU
O bloqueio da entrada em Gaza da ajuda humanitária enviada pelo Brasil e por outros países está causando fome entre os palestinos. O alerta é de Michael Fakhri, relator da ONU para o direito à alimentação. Respondendo ao UOL, o especialista acusa Israel de estar desmontando de "forma deliberada" o sistema de entrega de alimentos e a produção agrícola de Gaza.
Fakhri revelou nesta sexta-feira que, desde que começou a denunciar a situação dos palestinos e a operação de Israel, passou a receber ameaças. Ele não indicou de quem seriam os ataques. Mas destacou que membros de sua família também sofreram ameaças.
"Foram buscar meu telefone e o nome das pessoas em minha família", disse. Segundo ele, o foco deve ser as vítimas em Gaza, e não sua situação.
Na quinta-feira, o relator apresentou suas conclusões sobre a situação em Gaza ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Como resposta, o governo de Israel o acusa de "mentiroso" e rejeita a denúncia do relator de que as autoridades israelenses estariam usando a fome como "arma de guerra". "Não limitamos a entrada de alimentos", insistiu a delegação de Israel na ONU, que destaca que 195 mil toneladas de comida entraram em Gaza desde 7 de outubro de 2023.
No início da semana, fotos feitas por deputados europeus revelaram que a ajuda enviada pelo Brasil para Gaza ficou retida na fronteira, junto com o material enviado por dezenas de países. Fontes diplomáticas brasileiras confirmaram o bloqueio.
Questionado sobre o que isso significaria, o relator foi claro: "Fome". "O mundo quer ajudar. Diferentes testemunhas estão falando que, quando chegam às fronteiras, encontram material, alimentos e outros produtos bloqueados", disse.
Ele pede para que governos e empresas continuem enviando suprimentos para os palestinos. Mas admite que, depois da decisão da Corte Internacional de Justiça de exigir de Israel atue para evitar um genocídio em Gaza, o que ocorreu foi uma queda da autorização para que suprimentos possam entrar na região.
"A informação que temos é de que 50% menos de ajuda entrou em Gaza, depois de decisão da Corte", disse.
Segundo ele, o que vem ocorrendo é a utilização de alimentos e ajuda humanitária como "moeda de troca" nas negociações entre o Hamas e Israel. "Garantir acesso humanitário é uma obrigação. Mas, agora, passou a fazer parte das negociações", constatou.
"Chega, não tenho palavras"
Fakhri não escondeu sua indignação diante da situação em Gaza. "Primeiro falamos que havia risco de genocídio. Depois que era genocídio, que estava à beira da fome e agora a existência da fome. Chega. Não tenho mais palavras", disse.
Para ele, não há mais como ter fé nas estruturas internacionais. Segundo o relator, tanto Israel como os EUA hoje justificam as violações. "Isso é novo. Esses países estão abandonando o direito internacional. Estão dizendo que não vão cumprir resoluções legalmente obrigatórias", disse. "Depois de Gaza, a ONU não será a mesma. O direito internacional não será o mesmo", lamentou.
Ajuda americana é para audiência doméstica
O relator também criticou o anúncio de Joe Biden de que irá criar um porto para permitir que a ajuda chegue aos palestinos. "Ninguém pediu isso. O que é preciso é que os pontos de fronteira sejam abertos", apontou.
Segundo ele, o envio de ajuda por meio de operações aéreas tampouco funciona. "Jogar pelo céu não é suficiente", disse. "Não ajuda no objetivo de garantir um socorro humanitário. Trata-se, acima de tudo, de um gesto para agradar a audiência doméstica", disse.
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JAMIL CHADE
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Para o relator da ONU, 500 mil palestinos estão à beira da fome. "Israel está deixando os palestinos sem alimentos, de forma intencional", acusou.
"Nunca vimos isso na história moderna. Estamos vendo crianças morrendo desidratadas e desnutrida. Quando isso ocorre, é por conta da fome estar chegando", disse.
Segundo ele, Israel está "destruindo o sistema de alimentos e a produção agrícola". Isso inclui a recusa de aceitar que o material possa cruzar a fronteira e, mesmo aqueles que estão dentro de Gaza, sofrem para serem distribuídos. "Eles criaram um sistema arbitrário e confuso", disse.
"Temos o registro de pelo menos 14 casos de distribuição de alimentos que foram alvo de atacados", disse.
Carne de animais
Fahkri indicou ainda que palestinos estão matando seus animais para dar de comer às crianças e famílias. "Ou escolher isso, ou passam fome. Ou torcem para que toda a família seja bombardeada ao mesmo tempo", disse.
Pesca destruída
O relator ainda acusou Israel por impedir que os palestinos possam até mesmo pescar. "80% da frota palestina foi destruída. Assim que a operação começou em Gaza, Israel proibiu que os palestinos pudessem ir pescar", disse.
Crítica contra árabes
O relator da ONU não poupou ninguém. Segundo ele, os governos árabes fazem "discursos bonitos" em apoio aos palestinos. "Mas não agem", lamenta. "Não vimos nenhuma reação real. São discursos bonitos. Mas os palestinos não comem discursos", completou.
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