Jamil Chade

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Reportagem

Maduro cometeu crimes contra a humanidade na eleição, conclui missão da ONU

O governo de Nicolás Maduro cometeu crimes contra a humanidade na Venezuela antes, durante e após as eleições de julho. Essa é a conclusão da missão criada pela ONU para investigar as violações de direitos humanos no país. Num informe de mais de 180 páginas divulgado nesta terça-feira (15), a equipe internacional apontou que a repressão contra a oposição envolveu assassinatos, tortura, prisão arbitrária e violência sexual.

A conclusão é ainda de que a ofensiva envolveu um planejamento e foi realizada de forma "consciente", a partir de uma estreita cooperação entre militares e as diferentes instituições do Estado. Dissidentes foram obrigados a deixar o país, enquanto outros se refugiaram em embaixadas estrangeiras em Caracas. Muitos, porém, foram presos.

Na semana passada, o mandato da missão internacional foi renovado na ONU. Mas o Brasil optou por uma abstenção, alegando que a resolução que dava aos investigadores o direito de seguir seu trabalho é desequilibrada e cria um contexto de isolamento ainda maior de Maduro. O Itamaraty explicou que o governo Lula não era contra a investigação, mas considerava equivocada a forma pela qual a resolução havia sido proposta.

Para a missão, a repressão após a votação para a eleição presidencial foi "sem precedentes". O resultado das urnas passou a ser questionado pela oposição e nunca foi reconhecido pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A comunidade internacional exigiu que Maduro, que se declarou como vencedor, apresentasse as atas das sessões eleitorais, o que jamais ocorreu.

"A investigação documenta múltiplas e crescentes violações cometidas pelo governo venezuelano, pelas forças de segurança e por grupos civis pró-governo armados antes, durante e depois da disputada votação presidencial de julho no país", constata o documento.

Essas violações incluem prisões arbitrárias, tortura, desaparecimentos forçados de curta duração e violência sexual. "Tudo isso está ocorrendo como parte de um plano coordenado para silenciar críticos e oponentes. Entre as vítimas, estão crianças e pessoas com deficiência", alertam os investigadores.

"A partir de outubro de 2023, no contexto de um ano eleitoral, o Estado começou a reativar o mecanismo de repressão para realizar ações destinadas a desmantelar e desmobilizar a oposição política organizada", diz o documento.

Objetivo era silenciar oposição, e operação foi planejada

De acordo com a investigação, "as graves violações de direitos humanos detalhadas neste documento foram o resultado da operação consciente e planejada".

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"Após as eleições presidenciais de 28 de julho de 2024, as autoridades intensificaram e aceleraram a forma mais dura e violenta de sua repressão com o objetivo de silenciar as pessoas que se opunham ou que eram percebidas como tal", diz.

"A repressão por agentes estatais e privados, com a aquiescência do Estado, que continua até hoje, gerou um clima generalizado de medo entre a população", constata o informe.

O documento também conclui que as graves violações e os crimes contra os direitos humanos "não foram eventos isolados" e envolveram uma "ampla gama de atores institucionais".

São elas:

As declarações das mais altas autoridades do Estado, especialmente após 28 de julho, incitaram a repressão e contribuíram para um clima de hostilidade e violência.

As forças de segurança estiveram maciçamente envolvidas no cometimento de violações e crimes, principalmente detenções arbitrárias, uso excessivo da força para reprimir protestos, às vezes junto com grupos de civis armados, tratamento cruel, desumano ou degradante, bem como violência sexual e de gênero. A maioria desses atos foi praticada por serviços de inteligência civis e militares.

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Juntamente com as forças de segurança, os poderes e instituições do Estado refletiram seu alinhamento com o Executivo em detrimento do exercício independente e imparcial de seus mandatos constitucionais, contribuindo para o cometimento de violações e crimes graves.

Isso inclui especialmente a Comissão Nacional Eleitoral, responsável pela condução do processo eleitoral, que, de acordo com o Painel de Especialistas Eleitorais da ONU, "não cumpriu as medidas básicas de transparência e integridade".

A Assembleia Nacional continuou a ser fundamental na aprovação de novas leis contrárias aos direitos humanos e restritivas do espaço cívico e democrático.

O sistema judiciário, incluindo tanto a Suprema Corte de Justiça, o órgão governamental do Judiciário, quanto o Ministério Público, continuou a operar com falta de independência e imparcialidade e a se submeter aos ditames do Executivo.

Crimes contra a humanidade

A missão, que já havia acusado Maduro de crimes contra a humanidade em outras ocasiões, concluiu que o padrão das violações continuou e que pode ser constatado que novos crimes de lesa humanidade voltaram a ser praticados pelo regime.

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"Além disso, essas violações, cometidas dentro da estrutura de uma política discriminatória, constituem o crime contra a humanidade de perseguição politicamente motivada com base na identidade das vítimas", explicam os investigadores.

O perfil das vítimas da repressão se ampliou significativamente, segundo a missão. "Esse perfil inclui não apenas líderes políticos e atores da sociedade civil, mas também, após as eleições, cidadãos comuns, simplesmente por demonstrarem sua discordância com o governo ou com os resultados das eleições presidenciais anunciados pelas autoridades", diz.

"Todos esses elementos levaram a Missão a concluir, com motivos razoáveis para acreditar, que algumas das violações de direitos humanos e crimes investigados durante esse período representam uma continuação da mesma linha de conduta que a Missão caracterizou em relatórios anteriores como crimes contra a humanidade", destaca.

"Essas condutas ocorreram como parte do mesmo ataque generalizado e sistemático contra a população civil, em prol de uma política estatal de silenciar, desencorajar e sufocar a oposição ao governo do presidente Maduro ou em apoio a ele", diz.

Vinte e cinco pessoas foram baleadas e mortas na recente onda de violência, enquanto centenas ficaram feridas e "milhares de outras foram detidas por simplesmente expressarem seu direito fundamental à liberdade de expressão".

No documento, a missão faz um apelo para que o Estado venezuelano "liberte todos os indivíduos detidos arbitrariamente e respeite a integridade física e psicológica dos detidos e seu direito ao devido processo legal".

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"A comunidade internacional e as organizações relevantes da ONU devem prestar atenção especial à proteção dos direitos das crianças nessas circunstâncias", pede a missão.

A missão relatou ainda que os detentos são ameaçados, inclusive com atos de tortura, para que se incriminem por crimes graves, como terrorismo.

"A falta de provas e a ausência de advogados de sua escolha colocam as vítimas em uma posição de vulnerabilidade especial, pois a autoincriminação pode acarretar penas de prisão desproporcionalmente altas", destaca. "Particularmente grave é a situação das crianças e adolescentes detidos, que enfrentam as mesmas ameaças e não estão recebendo as medidas especiais de proteção exigidas pelo direito internacional", apontou.

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