Jamil Chade

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Abandono e indignação: um dia de eleição na periferia dos EUA

Com o dedo do meio indignadamente em riste, Mike passa por um dos locais de votação no Harlem. "Por quatro anos me ignoraram, e agora querem meu voto? É isso que eu tenho para oferecer", disse, com o gesto das mãos apontado para o anúncio de que aquela é uma área eleitoral.

Mike, interrompido pela reportagem do UOL, explicou que nada mudaria em sua vida com republicanos ou democratas. Negro, criado no Bronx, o americano de 32 anos trabalha num hospital no Harlem. "Eu tenho sorte de ter um emprego. Mas meus companheiros estão em uma situação muito difícil. Há uma raiva muito grande entre os jovens", disse.

Em 2022, os índices de pobreza atingiam 29% da população do Harlem. Em East Harlem, mais de 46% das crianças são consideradas pobres. 10% das mães dão à luz sem pré-natal e a mortalidade infantil é de 5,2%, três vezes a média do restante da cidade.

Berço de movimentos sociais e da luta pelos direitos civis, a região está engajada por Kamala Harris. Mas, para Mike, que preferiu não ter seu sobrenome publicado, a abstenção entre uma parcela da população deve ser ouvida "com atenção". "A decisão de não votar não é apenas por ignorar a política. É também uma declaração", insistiu.

Nos EUA, o voto não é obrigatório. Mesmo assim, a polarização dos últimos anos levou o pleito de 2020 a ter um dos maiores índices de participação da história. Naquele momento, 158 milhões de americanos votaram, mas 37,2% da população com idade para participar da eleição optou por ignorar.

Há uma esperança entre os partidos de que, em 2024, esse recorde possa ser batido. Mas num levantamento realizado pela Pew Center, a participação dos americanos coloca os EUA apenas na 31º posição entre 49 países examinados e onde o voto não é obrigatório.

Mike, porém, insiste que a participação é reflexo da crença da população "num sistema que de fato faça a diferença".

Nas ruas do Harlem e do Bronx, onde a reportagem do UOL esteve nesta terça-feira, muito pouco indicava que o destino de um país estava sendo decidido. Numa das esquinas, policiais prendiam um homem negro, enquanto uma população pacientemente esperava por seu transporte.

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Não havia constrangimento. Ao lado do corpo do homem ao chão, outro pedia dinheiro a quem passava.

Num café mantido por um ativista social, a conversa era sobre a necessidade de convencer os jovens de que a política é a "forma de dar respostas".

Em três centros de votação visitados pelo UOL, a fila era inexistente e o clima de tranquilidade imperava. A aposta é de que essas periferias devem dar um forte apoio para Kamala Harris. Nada disso impediu que Donald Trump fizesse seus atos nesses bairros. Em abril, ele aproveitou uma audiência em corte, na qual ele era o acusado, para visitar bares do local. Em 2020, ele perdeu por uma diferença de 2 milhões de votos no estado de Nova York.

Mas insistiu e realizou, em outubro uma visita ao Bronx, com o direito a uma parada num barbeiro de uma das principais ruas. "Vocês são como eu", disse, na ocasião.

A esperança de Trump é repetir o que Ronald Reagan obteve, há quarenta anos: uma vitória em Nova York.

A tarefa é considerada quase impossível. Em 2020, Joe Biden ficou com 82,5% dos votos do Bronx e 69% de Queens. Mas o que chamou a atenção dos democratas foi o avanço de Trump nessas regiões entre 2016 e 2020. No Bronx, há oito anos, ele somou meros 9% dos votos e 22.1% no Queens. Quatro anos depois, a taxa dobrou no Bronx e chegou a 30% em Queens.

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Em agosto, quando o partido democrata decidiu lançar oficialmente a campanha de Kamala Harris no Harlem, o evento foi alvo de um grande grupo de manifestantes, que protestavam contra o posicionamento do partido no conflito entre Israel e Hamas. O evento foi obrigado a ser realizado atrás de barricadas e polícia anunciou a prisão de várias pessoas.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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