Nas urnas, EUA vivem encruzilhada existencial e abalo de um sonho
Pouco tempo antes de sua morte, Eleanor Roosevelt escreveu: "Eu acredito profundamente que nós fazemos nossa própria história". Nesta terça-feira, milhões de americanos irão escrever sua história, num país que vive uma verdadeira encruzilhada entre ventos gelados do autoritarismo e um reconhecimento implícito do fracasso de um sistema em dar respostas a todos.
Nas urnas estará a busca pela alma de um país em crise existencial. Um país que, pela primeira vez em décadas, se depara com um questionamento de sua hegemonia, enquanto se dá conta que a pobreza em suas periferias persiste.
O sistema político americano está quebrado. Como uma sátira distópica, comícios flertaram com ideias supremacistas e declarações que, em outros momentos, entrariam na classificação do fascismo.
Em encontros com grupos nas periferias pobres do país ou nos comícios, me deparei com pessoas com raiva e ansiosas. Vi corações partidos e promessas não cumpridas, esperanças frustradas e sonhos adiados.
Proliferam ainda por círculos acadêmicos, leituras e debates da obra de Sinclair Lewis, "It Can't Happen Here" (Não pode acontecer aqui), um roteiro dos anos 30 sobre o risco de o fascismo desembarcar nos EUA. A própria leitura da obra, cem anos depois, se transformou num sinal de que do temor de que o colapso da democracia não é mais algo a ser completamente descartado.
Os EUA já enfrentaram divisões antes - e não apenas sobreviveram a elas, mas prosperaram. Mas, desta vez, é diferente. A mentira venceu e o processo eleitoral termina com uma sociedade ainda mais rachada. Um tecido social ainda mais dilacerado diante do ódio estabelecido, mesmo que Kamala Harris saia como a nova presidente dos EUA.
Divididos, os americanos ouviram de líderes republicanos apelos ao autoritarismo e xenofobia, sempre regado à demagogia. Do outro lado, os democratas tentam se apresentar como a garantia da democracia, tentando seduzir aqueles milhões de cidadãos abandonados pela "democracia". Resta saber se, desta vez, vão acreditar.
Seja qual for o índice de desenvolvimento social examinado, a população americana vive a pior situação entre os países ricos. São 40 milhões vivendo abaixo da linha da pobreza e outros tantos sem a possibilidade de sonhar em dar aos filhos uma vida melhor.
Nos EUA, a pobreza é uma decisão política. Não faltam recursos. Nas ruas de Nova York, a caminho de um dos centros de votação, me deparei com um morador de rua. Com o frio já dando seus primeiros sinais, sua opção foi por deitar no local por onde sai o ar quente do metrô. Ele provavelmente não votará nesta terça-feira. A culpa pelo tremor que sentia não era do frio. Mas de um sistema que o abandonou.
Nas urnas, esse sistema vive uma encruzilhada, enquanto um país inteiro se pergunta por quanto tempo ainda dura a hegemonia de uma nação que exportou sonhos e tortura, ditou regras e destinos, e que hoje atravessa um de seus maiores testes.
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