Eleição nos EUA e extremismo são 'alertas' à democracia, diz europeu no G20
A eleição de Donald Trump nos EUA e o avanço da extrema direita na Europa devem servir de um "sinal de alerta" sobre a necessidade de que a democracia atenda aos mais pobres e às classes trabalhadoras. O recado é de Oliver Röpke, presidente do Comitê Econômico e Social Europeu, que participa nesta semana da Cúpula Social do G20, organizada no Rio de Janeiro pelo Brasil.
"Estou convencido de que a democracia vai prevalecer. Mas não é sobre governança ou procedimentos, mas é sobre resultados. E há uma população de trabalhadores e de pobres que aguarda por esses resultados", afirmou o austríaco em entrevista exclusiva ao UOL.
"Não podemos convencer essas pessoas com apelos bonitos. Precisamos de resultados. É um sinal de alerta global. Tanto a eleição mais recente nos EUA como em outras partes do mundo. Um alerta de que precisamos agir", disse. Para ele, taxas grandes fortunas pode ajudar a dar uma resposta às ameaças à democracia e projetos como o do Brasil de criar uma Aliança contra a Fome também vão nessa direção.
Eis os principais trechos da entrevista:
Como a Aliança contra a Fome que o Brasil quer lançar no G20 poderia funcionar e por qual motivo ela é importante neste momento?
Num cenário em que a democracia e os valores democráticos estão em jogo e também diante da eleição nos EUA, está na hora de agir. A Aliança Global pode estabelecer esse compromisso da parte do G20, mas também de outros países e da sociedade civil. Chegou a hora de dar essa mensagem.
A meta de acabar com a fome, por meio de um caminho sustentável, vai na direção que defendemos na Europa. Somos da opinião de que, ao colocar recursos, influência política e conhecimento juntos, essa aliança pode lidar com a insegurança alimentar. A UE também deve desempenhar um papel importante. Temos experiências específicas que podemos contribuir e servir de guia a outros países. Devo dizer que estamos muito satisfeitos em ver que tantos países e organizações decidindo se envolver.
O sr. citou a relação entre fome, pobreza e democracia. Como isso pode ser um instrumento contra o extremismo político?
Estou convencido de que a democracia vai prevalecer. Mas não é sobre governança ou procedimentos, mas é sobre resultados. E há uma população de trabalhadores e de pobres que aguarda por esses resultados. Não podemos convence-los com apelos bonitos. Precisamos de resultados. É um sinal de alerta global. Tanto a eleição mais recente nos EUA como em outras partes do mundo. Um alerta de que precisamos agir e fortalecer o multilateralismo. Essa iniciativa no G20, portanto, é chave nesse aspecto.
E até que ponto a desigualdade está minando a democracia?
Estou convencido de que, quanto mais justas nossas sociedades, maior a estabilidade de nossas democracias. Podemos ver isso na Europa e em outras partes do mundo. O aumento da desigualdade é uma das maiores ameaça às democracias.
Quando vejo que 57% dos trabalhadores no mundo estão no setor informal vejo que nosso mundo é profundamente desigual. Se não lidarmos com isso imediatamente e com mais multilateralismo, com a aplicação das convenções, estamos corremos o risco de ver o populismo e o extremismo de direita ganhando ainda mais apoio.
Também sabemos que o aumento da desigualdade, no meio e longo prazo, mina o crescimento sustentável. Portanto, isso tudo nos exige uma ação imediata. Na Europa aprendemos que não podemos fazer isso de forma isolada e nacional. Por isso, o G20 é um dos palcos mais importante.
Taxar grandes fortunas é um caminho?
Isso pode e deve ser um instrumento poderoso. Isso distribui riqueza numa sociedade democrática e isso deve ser uma meta. Esse caminho está baseado na ideia de que a concentração de uma riqueza extrema amplia disparidades sociais. Essa concentração também impede a mobilidade social, ameaça processos democráticos ao dar aos ultra ricos uma influência desproporcional.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberPor isso, uma inciativa que trate de taxar grandes fortunas pode contribuir para estabilizar nossas sociedades. É uma solução moral e prática para uma desigualdade que aumenta. Economistas em vários países vêm apoiando cada vez mais essa proposta.
A proposta do Brasil, portanto, pode estabelecer um padrão global para políticas fiscais compartilhadas.
Como o Comitê Europeu pode servir de exemplo para os esforços no Brasil para o trabalho de diálogo social?
Reconheço e respeito o trabalho do governo Lula de restabelecer estruturas democráticas e inclusivas para parceiros sociais. Um dos elementos que podem usar é nossa experiência de empoderar a sociedade civil para participar na formulação de politicas públicas. Em muitos países, podem existir grupos da sociedade civil. Mas que sentem que não fazem parte das formulações de politicas.
Qual o objetivo da UE no G20?
Um compromisso forte do G20. A meta é de ir além de temas tradicionalmente econômicos. E aplaudimos o que o Brasil fez. O bem-estar social deve estar no centro das discussões e garantir que esses temas não sejam mais ignorados.