Jamil Chade

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Reportagem

Brasil evitará politizar desdolarização no Brics, mas não abandona objetivo

Na presidência do Brics em 2025, o governo brasileiro irá agir para evitar que os trabalhos pelo uso de moedas nacionais no comércio entre os países do bloco seja transformado em um ato político de ataque ao dólar.

Ainda no ano passado, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, lançou uma ameaça contra o Brasil e os demais países do Brics. Segundo ele, se o bloco optar por criar uma moeda alternativa ao dólar, os países serão sobretaxados em 100% para qualquer produto que seja exportado ao mercado dos EUA.

"Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics, nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana", escreveu Trump em sua rede social, Truth Social.

"Eles podem procurar outro 'otário'. Não há nenhuma chance dos Brics substituírem o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tentar deve dizer adeus aos Estados Unidos", disse Trump.

O dólar representava 85% das reservas globais em 1970, proporção que caiu para 58% hoje, de acordo com o FMI. O euro representa 20%, contra um volume ainda insignificante das demais moedas.

Fontes diplomáticas afirmaram ao UOL que, apesar da postura de Trump, os trabalhos do Brics por avançar no uso de moedas locais para o comércio "vão continuar". "Esse não um objetivo que vai acontecer na noite para o dia. Mas isso não vai mais sair da pauta", garantiu um experiente negociador.

Umas das ideias, no médio prazo, é a de criar um mecanismo que permita as trocas comerciais em moedas nacionais, sem passar pelo dólar.

A primeira reunião da presidência brasileira do bloco ocorrerá em fevereiro, poucos dias depois da posse de Trump, dia 20 de janeiro. A expectativa é de que o encontro seja crítico para definir a agenda de trabalho do ano e as prioridades.

O Brasil, porém, vai insistir que o tema deve ser "técnico" e com o foco na expansão dos negócios. Não num ataque aos EUA.

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Para sustentar a tese, o governo brasileiro destaca que, hoje, já exporta mais aos parceiros do Brics que aos EUA e Europa, juntos. Em 2023, o país vendeu US$ 120 bilhões às economias emergentes, contra US$ 83 bilhões aos mercados europeus e americano.

Na diplomacia brasileira, o tom que será usado é de que a ampliação do uso de moedas locais visa ser um instrumento para tornar o comércio entre os países em desenvolvimento "mais eficiente" e "mais seguro".

Outro enfoque do Brasil será o de mostrar que o processo estará sendo conduzido por bancos centrais e pelos ministérios das Finanças, e não a partir de posições ideológicas.

Brics foi motor da economia global quando ricos entraram em crise

O esforço do governo brasileiro será o de mostrar que o Brics não é uma aliança antissistema e que alguns de seus principais membros também fazem parte dos compromissos do G20.

Eduardo Saboia, embaixador que atua como ponto focal do trabalho da presidência brasileira do Brics, insiste ainda que o bloco já demostrou seu compromisso com a sobrevivência da economia mundial, diante da crise de 2009 e que teve origem nos países ricos. "O Brics foi uma peça de apoio à economia mundial", disse ao UOL.

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Ainda no ano passado, uma das ideias que circulou no bloco foi a possibilidade de criar um grupo de trabalho com a missão de examinar a possibilidade de criar uma unidade de conta, o que poderia ser um embrião de uma moeda comum.

O grupo, no entanto, não seria composto apenas por economias e especialistas dos países emergentes. O convite a eminências dos EUA ou Europa poderia ser um caminho para dar um sinal de que o projeto não é um ataque ao ocidente.

A avaliação entre negociadores brasileiros é que Lula na presidência do Brics pode ser uma "oportunidade rara de legitimidade" para apresentar um projeto ousado e que, na voz de outros emergentes, poderia soar como um ataque frontal contra os EUA.

Para Trump, dólar é poder

Já para o governo americano, a redução do papel do dólar não significa apenas uma perda de hegemonia no comércio.

Parte das sanções unilaterais aplicadas pelos EUA é no sistema financeiro, diante da presença dominante do dólar. Um país, portanto, pode ser asfixiado apenas ao ser impedido de usar a moeda americana. Mas, se um sistema financeiro paralelo for criado com moedas alternativas, o poder da Casa Branca de impor sanções é radicalmente reduzido.

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