Jamil Chade

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Reportagem

'Fui clandestino, hoje sou prefeito': cidade da fronteira acolhe imigrantes

Ricardo Treviño é o prefeito da pequena cidade de Allende, no norte do México. Coube a ele montar um dos locais de abrigo para os imigrantes que serão afetados pelas novas leis de Donald Trump.

Dirigindo seu carro para levar a reportagem do UOL até o galpão, o político de fala mansa confessou: "Eu também já fui clandestino". Treviño conta que, nos anos 80, cruzou a fronteira e foi trabalhar em Houston na construção de casas. "Não tinha documentos, mas eles precisavam de mão de obra", disse. "Juntei dinheiro, paguei minhas dívidas e voltei para meu país", contou. "Nunca imaginei que seria prefeito um dia", admitiu.

A situação não mudou, quarenta anos depois. Em 2024, um estudo do Center for American Progress concluiu que 23% dos operários na construção nos EUA são imigrantes sem documentos. Quando a ponte em Baltimore desabou, há dois anos, todos os oito trabalhadores que morreram eram imigrantes.

Hoje, o prefeito mostra com orgulho a preparação do México para receber os estrangeiros deportados por Trump. "Daremos transporte, alimentação, abrigo e 2 mil pesos por pessoa. Aqui, vamos tratá-los de forma humana", prometeu.

O UOL conversou com mais de uma dezena de mexicanos e pessoas de outras nacionalidades que contam suas experiências migratórias. As histórias revelam a complexidade das relações entre os EUA e a América Latina, assim como a cumplicidade de empregadores americanos.

Victoria, gerente de um hotel na cidade americana de Eagle Pass (Texas), é a personificação dessa complexidade.

Seus pais são da República Dominicana e imigraram aos EUA irregularmente também nos anos 80. O casal se estabeleceu no Bronx e, lá, Victoria e suas duas irmãs nasceram. Se fosse hoje, com a decisão de Trump, ela não teria direito de ser americana. O decreto do republicano de impedir que filhos de clandestinos sejam cidadãos foi provisoriamente suspenso pela Justiça. Mas a Casa Branca promete lutar. Em 2023, 230 mil crianças nasceram de pais em condições irregulares nos EUA.

Victoria conta que seus pais apenas regularizaram suas situações quando ela tinha 14 anos, mas nunca tiveram problemas em obter trabalho. "Seria hipócrita de minha parte defender essa política", me disse.

Mas quando perguntei o que a tinha levado até a pequena cidade de 25 mil pessoas no deserto, ela revelou que era casada com um militar americano. Seu marido havia sido destacado para patrulhar a fronteira.

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A cumplicidade também marca vida na história pessoal de José Martin, dono de uma frota pequena de táxi na cidade mexicana de Piedras Negras, um dos epicentros da rota dos imigrantes. Ao UOL, ele contou que comprou os carros de sua empresa depois de onze anos trabalhando nos EUA de forma clandestina para empregadores americanos.

Num primeiro momento, ele trabalhava numa fazenda de leite em Minnesota. "Aprendi a ajudar as vacas a parirem. É fácil. Basta agarrar os bezerrinhos pelas pernas e ir puxando lentamente", disse. Mas esse era o momento mais divertido de seu mês. "No restante do tempo, limpávamos a merda de animais", disse.

Um estudo do Baker Institute revela que cerca de 40% dos trabalhadores do setor agrícola nos EUA são imigrantes irregulares. Num levantamento feito pela National Agriculture Workers Survey, eles recebem até 24% a menos que o restante dos trabalhadores rurais.

Martin conta que jamais foi importunado por agente de segurança. "Eles sabiam que as fazendas precisavam de nós. Parecia que havia até um acordo entre os xerifes locais e os donos das fazendas para que não mexessem conosco", disse.

Cansado da rotina, ele se mudou ao Texas e fazia instalações elétricas nas residências de americanos. Sempre irregularmente. Um dia, recebeu uma ordem para realizar um trabalho que levaria várias semanas para ser completado. À medida que os dias iam passando, criou uma relação de confiança com o dono do local.

"Um dia, decidi perguntar a ele o que fazia da vida", contou Martin.

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Ele era o inspetor de imigração do Texas.

"Fiquei gelado e quase vomitei de tensão", lembra. Vendo o nervosismo do mexicano e entendendo o mal-estar, o dono da casa bateu no ombro do trabalhador e disse: "Não se preocupe".

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

16 comentários

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Wander Panfili

Lógico que a cacatua do topete amarelo está fazendo joguinho de cena, só um idiota pode acreditar que ele conseguiria manter a economia americana funcionando sem os imigrantes. Ele faz esse estardalhaço, manda meia dúzia de coitados de volta aos seus países e muda o foco para os brinquedos chineses, roupas paquistanesas, petróleo venezuelano, café brasileiro e a roda continua girando, Com ilegais ganhando 30% a menos e produzindo igual, os capitalistas americanos da construção civil e das fazendas de gado devem estar P...com o Trump. Só quem comemora, lá como cá, são os capitalistas sem capital, também conhecidos como pobres premium.

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Helio Hissao Shinsato

Muitos dos brasileiros que migraram para os EUA e conseguiram a legalização votaram no candidato neo-n., e apoiam a expulsão de quem ainda não foi legalizado. Eles viraram americanos e sentem-se integrados. Só que o neo-n. dos EUA não os considera brancos. Os neo-n. que foram daqui para lá e apoiam Bozo e Tramp também serão alvo dos neo-n. Talvez tenham que usar uma ‘estrela’ na roupa, como na Alemanha dos anos 30...

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Francisco Jose Alves Correia Lima

Queria saber o que vão fazer com os bens dos imigrantes ilegais, os americanos vão ficar para eles? Já que estão expulsando tem que devolver o que eles conseguiram com muito trabalho e suor. Americano não gosta de trabalho pesado, quem faz é o imigrante. Mas infelizmente a elite brasileira (principalmente a nossa classe média que se acha rica) aprovam todas essas medidas. Se o povo brasileiro tivesse vergonha na cara começaria boicotando as viagens de turismo, pois nós somos um dos povos que mais gasta por lá nas viagens, mas infelizmente aqui é cada um por si. Tem tanto lugar lindo no mundo. Tem que vir mais pandemias para tentar melhorar a raça humana, porque pelo que tenho visto a COVID-19 piorou principalmente os brasileiros, que passa longe de ser um povo solidário.

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