Jamil Chade

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Reportagem

Brasil não retaliará EUA no curto prazo e acelera acordos pelo mundo

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva aposta numa negociação com os americanos, e não deve retaliar os EUA no curto prazo. Por ora, busca acelerar acordos comerciais para diversificar seus destinos de exportação e lançar uma ofensiva no segundo semestre para anunciar novos pactos.

A ideia do governo é de que, ainda que exista uma necessidade de dar uma resposta às tarifas impostas por Donald Trump, o país quer demonstrar tanto ao setor privado quanto ao governo em Washington de que há um "engajamento" pelas negociações.

Não se exclui, porém, um recurso na OMC (Organização Mundial do Comércio), até mesmo como gesto simbólico de defesa da soberania e das regras multilaterais do comércio.

Conforme o UOL revelou na semana passada, o governo brasileiro também deve retomar o visto para os turistas americanos a partir do dia 10 de abril, ainda que como uma sinalização de contrapartida às medidas de Trump e um gesto para mostrar que não está disposto a aceitar ataques contra sua soberania.

Uma retaliação contra produtos ou serviços americanos, porém, somente viria depois dessa primeira etapa e de uma eventual constatação de que as negociações tenham gerado um impasse.

Evitar instrumentalização por bolsonaristas

Ao ser afetado pelas tarifas, o Brasil avaliou que precisava adotar uma reação que impedisse danos para as empresas nacionais. Mas também que reduzisse a margem de instrumentalização que o bolsonarismo poderia fazer da crise. Uma guerra comercial contra Trump poderia antecipar uma desestabilização do governo.

A operação do governo foi trabalhar em três frentes. De um lado, conseguir um apoio legislativo para aprovar uma lei que dê instrumentos para o Brasil retaliar. Isso ocorreu até mesmo com o apoio do PL. Lula, segundo interlocutores, promulgará a lei nos próximos dias.

Ainda que a escolha seja pela negociação, o governo considera que Trump tem marcado sua política pela "imprevisibilidade", inclusive como estratégia de política externa.

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Se um dia novas tarifas forem aplicadas, o Brasil terá assim instrumentos para reagir e garantir mecanismos de reciprocidade.

Outro caminho era mostrar que o país inteiro seria afetado, com o aço no Sudeste, madeira no Sul e etanol no Nordeste. Um eventual ataque contra a agricultura ainda abalaria o Centro-Oeste e, portanto, a base bolsonarista.

Um terceiro caminho é buscar uma negociação com os EUA, cientes de que a relação com o governo Trump é também determinante para os embates políticos internos no Brasil, principalmente em 2026.

A escolha foi por uma estratégia não confrontacionista. Assim, o governo enviou uma missão para Washington.

Em Brasília, o tom é de "reajuste" da política externa diante dos desafios colocados por Trump. Essas são as apostas do país para novos acordos:

UE- Mercosul

Para o segundo semestre, o Brasil espera conseguir anunciar a ratificação do acordo comercial com a UE, numa cúpula organizada no final do ano no país. A expectativa de Brasília é de que, diante da crise entre a Europa e os EUA, Bruxelas acelere sua postura favorável ao acordo. Para que seja aprovado, porém, ele precisa de 15 dos 27 países do bloco.

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Algumas das economias que resistiam à ideia do acordo com o Mercosul já estão revendo suas posições.

Acordo com Emirados Árabes

Um dos pontos da ofensiva no segundo semestre será um possível anúncio de um acordo comercial com os Emirados Árabes Unidos e o Mercosul, projeto que já estava em andamento e ganhou força.

Índia, China e Ásia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltará a viajar para a China em 2025, num ano que está sendo marcado pela prioridade de ampliar as relações com a Ásia. Ainda que as missões já estejam em andamento, elas ganham uma nova dimensão diante das tarifas de Donald Trump contra o Brasil e dezenas de países.

O governo colocou 2025 como o ano do retorno do Brasil para a Ásia. Lula já realizou viagens para o Japão e Vietnã, num gesto que simbolizava a busca por um maior leque de opções que vão além da China.

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Uma das apostas é uma aproximação à Asean. O presidente irá para a cúpula do bloco na Malásia e para a Indonésia em outubro.

Não se exclui um acordo comercial do Mercosul com o Japão e outro pacto entre o bloco sul-americano e o Vietnã. No foco do governo também está um pacto comercial entre o Mercosul e a Indonésia.

O governo Lula ainda deve receber as autoridades indianas em meados do ano para uma visita de Estado. A esperança é de que novos acordos comerciais possam ser anunciados.

Ainda no segundo semestre, Lula voltará para a China, num sinal claro de que os dois países querem estabelecer uma relação mais próxima para lidar com as truculências do governo Trump. A avaliação do Brasil é de que Pequim dificilmente perderia essa oportunidade de protecionismo americano para expandir suas relações com a América Latina.

Acordo com Canadá e México

Uma das opções tem sido ainda a de buscar um aprofundamento das relações comerciais com México e Canadá, dois países atacados por Trump.

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Recentemente, o governo de Ottawa mandou emissários ao Brasil e, no Planalto, o gesto foi interpretado como uma maior disposição para retomar a ideia de um acordo comercial entre o Mercosul-Canadá.

Há um interesse do Canadá em diversificar comércio diante das tarifas aplicadas por Trump e esperança do Brasil é de que Ottawa ainda se alinhe a grupos progressistas na América Latina em organismos regionais, como a OEA.

Não de descarta ainda que o Canadá convide o Brasil para cúpula do G7, em meados do ano.

Com o México, existiria ainda a possibilidade de um convite para que o governo aliado participe da cúpula dos Brics, ainda que consultas tenham de ocorrer primeiro.

O Brasil, porém, confia que haverá uma aceleração do acordo comercial com o México, ampliando as relações bilaterais.

Aceleração de comércio regional

Outra esperança é de que a ofensiva americana obrigue a América Latina a buscar uma nova organização. Hoje, o Brasil já tem uma exportação maior para a região que aos EUA, com US$ 86 bilhões. A perspectiva, portanto, é de que a crise com Washington possa acelerar essa tendência.

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O desafio, porém, é grande, já que a região viveu um desmonte de seus projetos de integração desde 2017.

Javier Milei, na Argentina, ainda ameaça com uma ruptura no Mercosul, caso busque um acordo comercial com os EUA. Para o Brasil, porém, os argentinos terão de fazer o cálculo se ganharão mais fora do bloco ou não. Sem o Mercosul, por exemplo, Buenos Aires ficaria também fora do acordo comercial com a UE.

Brics para defender o multilateralismo

Na presidência do Brics em 2025, o Brasil ainda aposta no bloco como um instrumento para fortalecer o multilateralismo e salvar entidades como a OMS (Organização Mundial da Saúde), abalada por cortes profundos de recursos dos EUA.

Mas o país não vê grandes chances - e nem interesse - em fazer avançar a ideia de uma desdolarização. Nos primeiros dias de seu governo, Trump ameaçou com tarifas caso o Brics seguissem nessa direção. O bloco mantém o diálogo. Mas um dos grandes interessados - a Rússia - teria perdido do apetite pelo tema, principalmente depois da aproximação com a Casa Branca.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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