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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por uma educação política que nos ajude a viver

Jeferson Tenório

Colunista do UOL

15/08/2022 04h00

A leitura da carta pela democracia no último dia 11 mostra que em momentos difíceis na política é preciso unidade para a manutenção do Estado de Direito. Com 1 milhão de assinaturas a carta é uma resposta aos ataques sistemáticos de Bolsonaro contra o processo eleitoral. O ato na Faculdade de Direito da USP e em várias outras universidades pelo país conseguiu unir movimentos e setores diversos e, por vezes, antagonistas em prol de um objetivo: a defesa da democracia.

O objetivo é nobre e importante, mas não é suficiente. A carta é assinada por movimentos populares, sindicalistas, intelectuais, trabalhadores, estudantes, juristas, políticos e o mercado. Num esforço de reagir simbolicamente aos ataques de Bolsonaro, o ato em si foi importante e reafirma que discursos autoritários não podem ter mais espaço na sociedade. Entretanto, embora a carta tenha um efeito reivindicatório pela manutenção democrática, ela não pode ser vista como um grande ato político, como foi a mobilização das "diretas já", por exemplo. A carta deve ser encarada como um começo. Mantermo-nos atento aos movimentos antidemocráticos é um modo de educação política que nos ajuda viver melhor.

É claro que estamos em tempos e contextos diferentes das décadas de 70 e 80, portanto a ideia que temos hoje de democracia passa também por outras questões que estão para além da defesa do processo eleitoral. Certamente é importante que a sociedade civil se organize num momento difícil em que estamos vivendo, principalmente nesses anos todos com o governo Bolsonaro, mas por outro lado sem as condições básicas para população como emprego, saúde, bem-estar, cultura e todas as coisas que tornam pessoas cidadãs vivendo com plenitude, a defesa da democracia se torna vazia e distorcida.

Para isso, o letramento político deve ser exercido de maneira orgânica e periódica. Isto significa que precisamos de uma educação política que nos ajude como pessoas, mais do que isso, que nos ajude a conviver a diferença de opiniões. Se a política é uma ferramenta social para evitar a violência, não podemos cair na armadilha pós-moderna de transformar a política na própria violência.

Precisamos de uma educação política para evitar que casos de racismo e de intolerância religiosa, como os proferidos por Michele Bolsonaro ao demonizar as religiões de matriz africana. Precisamos de uma educação política que seja permanentemente antirracista, que seja permanentemente feminista e lute contra a homofobia. Uma educação política que passe não somente pela escola, mas pela família também.

Pois entender a democracia como um vale tudo, em que se pode dizer qualquer coisa em nome de uma pretensa liberdade de expressão é no mínimo uma miopia intelectual. Liberdade de expressão sem limites pode trazer consequências nefastas à sociedade. É neste sentido que precisamos pensar que garantir pontos de vistos diversos, não significa suspender a ética. Sustentar uma sociedade diversa é compreender que pontos de vistas diferentes podem se chocar, mas não se aniquilam. A aniquilação de discursos contrários é uma pauta colonial e autoritária.

Defender a democracia com uma carta é apenas o começo, como disse antes. E é isso que se deve levar em conta. A democracia nunca estará dada por completo. A democracia é um sistema político que precisa ser vigiado o tempo todo. Uma vigília que não permita a distorção do que é liberdade. No caso do Brasil, precisaremos estar ainda mais atentos às tentativas de Bolsonaro em causar fissuras nas regras democráticas, mas sem esquecermos de outras pautas urgentes e que estão para além da defesa do voto e do sistema eleitoral como um todo. Precisamos de uma educação política que nos ajude a enxergar a dor do outro, e não sermos mais indiferentes.