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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O perfilamento racial nas abordagens policiais é uma visão de Estado

Jeferson Tenório

Colunista do UOL

13/03/2023 04h00

O julgamento de um homem negro que foi preso em São Paulo com 1,53g de cocaína expõe mais uma vez a visão de um Estado racista que segue julgando e encarcerando pessoas pela cor da pele. A naturalização de um tratamento desigual para negros continua atendendo a uma ideologia preconceituosa e que enxerga essas mesmas pessoas como alvos permanentes de punição.

Na semana, a pedido do ministro Fux, o STF suspendeu o julgamento sobre abordagens policiais motivadas pela cor da pele. Ainda que haja a confirmação de que os policiais agiram porque se tratava de um homem negro, 4 ministros não entenderam que neste caso houve um perfilamento racial: André Mendonça, Alexandre de Morais, Dias Toffoli e Nunes Marques. Não causa surpresa: todos homens e brancos. Uma posição que só confirma a necessidade da presença de ministros negros no colegiado.

As estatísticas comprovam que o número de abordagens policiais violentas e que resultam em mortes do suspeito é majoritariamente de pessoas negras. No entanto, sempre vale lembrar que para quem é negro e reside em comunidades mais periféricas, esta realidade é cotidiana. Certa vez fui a uma escola conversar com alunos sobre um de meus livros, e ouvi de um estudante negro, de 15 anos, que já havia sofrido mais de 30 abordagens policiais. O adolescente era negro retinto e usava dreads. Ele dizia que se ficasse 10 minutos parado numa esquina qualquer ele certamente seria abordado.

O fato é que, para a população negra, a rotina violenta obriga a seguir uma série de estratégias e condutas diante da polícia. Na frente de uma viatura, homens negros precisam calcular seus gestos: sem boné no rosto, sem mãos nos bolsos, sem movimentos bruscos, sem qualquer indício de afronta ou falta de respeito, manter sempre a cabeça e os olhos baixos e o mais importante: não parecer que é negro. Quem sabe vestir uma máscara branca, como diria Frantz Fanon.

Entretanto este estado de alerta e tensão permanente também provoca danos psíquicos em homens e mulheres negras. Os policiais, por sua vez, em sua maioria compostos por uma classe média baixa e oriundos de comunidade periféricas, são rapidamente cooptados pelo Estado e adotam uma ideologia de punição e de "limpeza" racial. Assim, em ações violentas cada policial envolvido se coloca como aquele que, muitas vezes, identifica, prende, julga e executa com a licença do Estado.

Neste sentido, enquanto a estrutura das polícias não sofrer mudanças profundas, enquanto houver uma normalização e uma naturalização dessa violência contra corpos negros, estaremos longe de uma solução. No entanto, com esse julgamento, o STF teria a chance de dar uma resposta ou pelo menos um primeiro passo importante para essa mudança de estrutura que insiste em levar a cor da pele como critério de abordagem.

Além disso, precisamos garantir mais representatividade de juízes na suprema corte. É necessário que as próximas indicações ao STF, o presidente Lula leve em consideração as questões de gênero e raça, pois não é possível mais ignorar que a pluralidade de trajetórias e de experiências podem qualificar o debate, assim como influenciar nas decisões que, muitas vezes, dão novos rumos para sociedade brasileira.