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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Líderes evangélicos precisam refrear discurso violento

O pastor André Valadão, em Orlando (EUA) - Reprodução/Facebook
O pastor André Valadão, em Orlando (EUA) Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

04/07/2023 14h54

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As falas homofóbicas e transfóbicas do pastor André Valadão não só configuram uma violência gratuita como também engrossam o caldo da ala ultraconservadora das igrejas evangélicas. Ainda no mês de junho, Estevam Hernandes, organizador do Marcha para Jesus, proferiu um discurso de pura intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana. A gratuidade da agressão é tão assustadora quanto os aplausos de milhares de fiéis presentes no evento.

O discurso de André Valadão, durante o culto numa igreja nos EUA, reforça e ao mesmo tempo naturaliza a violência contra as comunidades LGBTQIA+. Na ocasião, o pastor pontuou que não é possível um crente aplaudir um casamento homoafetivo e ainda sugeriu que fiéis matassem pessoas LGBTQIA+.

A gravidade da pregação levou o Ministério Público a instaurar uma investigação para apurar as declarações do pastor. Com a repercussão negativa, Valadão ainda tentou minimizar suas falas ao fazer um jogo com as palavras "matar" e "resetar".

O fato é que tanto Estevam Hernandes quanto André Valadão são vozes importantes dentro das comunidades evangélicas e têm o poder de mobilizar uma grande massa de fiéis. As falas que estimulam ataques e violências certamente reverberam em práticas racistas e homofóbicas, justamente num país que tem altos índices de assassinatos de pessoas negras, trans e homossexuais.

O Brasil possui uma comunidade expressiva de evangélicos, e o impacto de sua presença desde o início do século 20 no Brasil demostra uma permanência sólida não só na classe média, mas também nas favelas e periferias pobres. Nesse sentido, muitas vezes as igrejas pentecostais acabam exercendo o papel do Estado, pois a igreja passa a ser um lugar de apoio físico e espiritual.

Entretanto, no discurso neopentecostal, a ruptura com os valores católicos parece ser mais profunda. Pois, para além da negação de culto aos santos e imagens, as doutrinas se aproximam do ultraconservadorismo, e muitas das denominações evangélicas impõem a seus seguidores uma série de restrições como não fumar, não beber bebidas alcoólicas, não fazer sexo antes do casamento, não frequentar bares, isto é, uma negação sistemática das coisas "mundanas" em busca de um mundo espiritual superior.

Nesse sentido, é compreensível que uma postura tão radical se aproxime da intolerância religiosa e da homofobia, assim como a escolha de alguns alvos para serem atacados. A questão é que os evangélicos têm se tornado uma força importante dentro debate público e político. Não há como negar que seu apelo midiático tem tido cada vez mais força em eventos de massa, como o Marcha Para Jesus, por exemplo, que no último evento contabilizou 2 milhões de pessoas.

Assim, a aproximação dos evangélicos com o bolsonarismo se deu de maneira orgânica, já que o bolsonarismo atende, em alguma medida, às demandas discursivas dos fiéis mais conservadores. Certamente, nem todos os evangélicos têm essa postura. Sabemos que, antes de serem fiéis, são pessoas autônomas.

O discurso de perseguição religiosa aos cristãos também não se sustenta. A questão que se coloca não é essa. Mas da força midiática de certas personalidades evangélicas, que têm um poder grande na opinião pública.

O clima de guerra religiosa imposta pelo discurso de intolerância tem efeitos práticos e que chegam inclusive nos meios do crime organizado. Há relatos sobre facções que colocam "Jesus no comando" e invadem territórios, destroem centros de umbanda e candomblés e expulsam mães e pais de santo dos terreiros.

Ainda assim, é preciso apostar numa educação religiosa e ética dentro das igrejas. É preciso entender que uma religião não se fortalece declarando guerra ao que é diferente, mas justamente respeitando a diversidade. Aliás, "diversidade" é uma palavra batida e surrada, mas fundamental para a convivência em sociedade.